Há praticamente um ano atrás – dia 03 de novembro de 2011 – escrevi post sobre a controversa questão dos royalties e a nova lei que foi aprovada ontem pelo Congresso Nacional.

Li e ouvi ontem um bocado de disparates sobre a questão ontem, especialmente em redes sociais. Muita gente dando palpite sem conhecer minimamente o assunto, reproduzindo opiniões distorcidas sobre o tema.

Reproduzo a partir do parágrafo abaixo o post a fim de acrescentar dados ao debate da questão, com pequenas alterações e muitas adições. Lembro que o projeto de lei acabou aprovado da forma original, o que a meu ver é algo bastante preocupante.

O Projeto de Lei do Senado 448/2011 prevê a redução das fatias dos estados produtores, dos municípios também produtores e da União nos royalties em favor dos estados e municípios que não produzem petróleo. Estes últimos passarão a ter uma fatia de 47% do total dos royalties pagos em 2020, enquanto que os produtores terão queda de 53% para 24% no mesmo ano de 2020. Além disso, a fatia da União cai de 30% para 20%. Resumindo, é isto.

Entretanto, além de me parecer inconstitucional – pois o projeto mexe na divisão dos recursos do petróleo “pós sal”, ou seja, da Bacia de Campos e outras de menor expressão – em meu entender existe um sério erro conceitual neste projeto. Explico.

O conceito de royalties remonta ao início da exploração de petróleo na Arábia Saudita, na primeira metade do século XX. Para quem não conhece este país árabe possui petróleo quase que ao nível do solo, em grandes quantidades – é a maior reserva mundial, ainda hoje.

O nome “royaltie” significa literalmente “gravata real”. Quando os americanos e ingleses negociavam para deter os direitos sobre a exploração de petróleo no país, estranharam a maneira de se vestir do rei do país. Então determinaram que o reino receberia uma taxa sobre o petróleo extraído, para que o soberano pudesse se vestir melhor usando gravatas – daí o nome dado à taxa, “royal tie” – “gravata real”.

Hoje os royalties não servem para comprar gravatas, mas o nome ficou. É uma taxa paga à União, aos estados e municípios pelas empresas petrolíferas para compensar o uso da terra – ou mar territorial – e os danos ambientais advindos da exploração do ouro negro.

Portanto, soa como uma impropriedade a proposta em aprovação de redividir estes recursos com municípios que não possuem uma gota do líquido em seus domínios territoriais. Claramente é uma forma de fazer demagogia com o dinheiro alheio. Pior: estados e municípios que não são afetados pela exploração de petróleo terão renda maior que os estados e municípios produtores, o que é absolutamente insólito.

Na redivisão dos recursos do pré-sal, algo diferente, o valor destes cai substancialmente mas respeita o sentido original desta taxa. Na verdade o próprio conceito de “estado e município produtor” é bastante relativo, haja visto que os poços em operação se encontram no limite da plataforma continental brasileira – a aproximadamente 300 quilômetros da costa, em média.

Complementando, à exceção do município de Santos e entorno, o que inclui parte do estado do Rio de Janeiro, não faz muito sentido a tese de compensar os impactos causados aos municípios produtores pela exploração do óleo, sejam ambientais, econômicos ou de qualidade de vida.

Santos é a sede das operações da Petrobras para o pré sal e sofrerá impactos significativos dado o afluxo de pessoas atrás dos empregos oferecidos pela Petrobras e empresas satélites para a exploração do petróleo da camada pré sal, o que vai demandar uma oferta adicional de serviços públicos por parte de Santos e cidades da região.

Ou seja, seria muito mais razoável manter a divisão atual nos campos do “pós sal” e alterar esta distribuição nos novos campos do pré sal – que tendem a responder pela maior parte da produção brasileira em poucos anos – até de forma a não ferir o conceito original de “royalties”. Entretanto é mais fácil fazer demagogia com o dinheiro alheio.

Vale lembrar, também, que a chamada “participação especial”, paga em campos de maior produtividade, também poderia ser redistribuída em favor dos estados e municípios não produtores. Há até analistas conceituados fazendo confusão entre “royalties” e “participação especial”, repetindo um vício original do projeto de lei – e que é reproduzido até no enredo da Acadêmicos do Grande Rio para o carnaval 2013.

Leitor, para resumir: “royaltie” é para estados e municípios produtores de petróleo. Participação Especial é taxa paga à União – esta sim pode ser redividida.

Também é um disparate querer propor que 100% dos royalties do pré sal sejam destinados à Educação, como foi proposto e felizmente derrubado na votação de ontem. Primeiro porque royaltie, como explicado, é para ressarcir municípios e estados produtores.

Segundo, porque o valor projetado dos royalties do pré sal é imenso e muito acima das necessidades demandadas para se fazer uma revolução na educação. Os valores provenientes da participação especial serão suficientes para vários tipos de investimento a fim de redinamizar a economia brasileira em vários setores.

E olha que não falo aqui na “doença holandesa” da economia, provocada pela enxurrada de recursos provenientes da exploração. É assunto mais complexo e será alvo de post futuro neste espaço.

Aliás e a propósito, se é para se tocar no assunto: vale a pena também rediscutir a questão do pagamento do ICMS no destino, determinada pela Constituição de 1988 e que favoreceu fortemente o estado de São Paulo em prejuízo do Rio de Janeiro. O petróleo é a única mercadoria cujo pagamento deste imposto é feito no local de destino e não de origem.

Por outro lado, os municípios que dispõem destes recursos incorreram no erro de não diversificar suas economias a fim de diminuir a dependência deste dinheiro. Um bom exemplo é Macaé, que tem até academia com equipamentos de última geração em praça pública, mas não diminuiu a dependência da economia da cidade do petróleo.

Entretanto acredito que a lei, ainda que seja sancionada pela Presidente Dilma Roussef (no momento em que atualizo o post há dúvidas sobre se isto será feito), não deverá entrar em vigor pelo menos no curto prazo, até por alterar contratos há muito estabelecidos – o que seria, em meu entendimento, inconstitucional.

Contudo, ainda que os valores mantenham-se nos valores originais, serve como advertência aos municípios. Até porque tende a cair a importância relativa destes na produção total de petróleo e os valores recebidos a título de royalties, no médio prazo, tendem a ser decrescentes. Cabe a estes diversificar sua economia e diminuir a dependência de um recurso natural que sabemos finito.

Finalizando, não posso deixar de comentar a postura política dos atores envolvidos no processo, atropelando o bom senso a fim de fazer demagogia com a carteira alheia. Espero que a Presidenta Dilma Roussef vete a lei de forma integral a fim de se permitir um debate mais conclusivo e que atenda a todas as demandas.

One Reply to “Recapitulando a questão dos royalties”

  1. Migão,
    Concordo integralmente com o artigo. A nova distribuição é absurda.

    Aproveito e lembro que o ICMS é pago no destino, graças a manobra do Serra na Constituinte, engolindo a ineficiente bancada carioca. Os paulistas sempre souberam se defender melhor.

    Educação e saúde são sempre as áreas que políticos pedem dinheiro. São as eternas justificativas. Porém, basta ver a sobra orçamentária ao final de cada exercício em verbas vinculadas às duas pastas, nos mais variados entes, para se ter certeza de que os inúmeros problemas que enfrentamos nessas áreas não são decorrentes de falta de recursos.

    Por fim, vale lembrar que o Mercandante defendia a aplicação de recursos na pesquisa, quando era ministro de ciência e tecnologia. Agora, na educação…..

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