Neste domingo em que completo 38 anos de idade – com muito pouco a celebrar, diga-se – a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloisio Villar, conta algumas saborosas histórias de disputas de samba.
O colunista se esqueceu, mas na próxima sexta feira disputaremos a final da Acadêmicos do Dendê, do hoje Grupo C. Será minha sexta final na agremiação.
Dez anos do tri – e mais algumas finais
Neste domingo é a final de samba-enredo no Boi da Ilha e eu estou na disputa. Quem me acompanha sabe que o Boi da Ilha é o meu berço. Estou na escola desde 1997, quando peguei a sinopse do enredo “Círio de Nazaré” para o carnaval de 98. Lá cheguei à minha primeira final no mesmo ano e ganhei meu primeiro samba em 2000 – para o carnaval 2001. 
Já fiz coluna sobre a vitória de 2001 e o bicampeonato de 2002. Aproveitando esse dia de final, onde busco a sexta vitória na agremiação, falarei sobre nosso polêmico tricampeonato conquistado em outubro de 2002: portanto, completando dez anos.
Ganhamos o samba do carnaval 2002 e o Boi fez um grande desfile debaixo de chuva, com todas as dificuldades que uma escola de samba pequena passa. Pela primeira vez um samba meu foi transmitido pela televisão – a CNT mostrou o grupo de acesso naquele ano – e pela primeira vez o Boi competiu com a União da Ilha, perdendo por pouco apesar de ter desfilado melhor.
Foi com essa grande confiança que o Boi partiu para o carnaval 2003. Tinha uma grande equipe de carnaval, formada pelo Mestre Jonas que ganhou o S@mba-Net de melhor bateria, o Roger Linhares como cantor, uma comunidade participativa, que gostava da escola.
Mas foi perdendo tudo isso ao longo do ano.
Perdeu o Jonas para a Inocentes da Baixada, o Roger Linhares teve proposta do Império da Casa Verde (estreante no Grupo Especial de São Paulo) e optou por lá. Grandes perdas que vieram acompanhadas de dois grandes erros.
O primeiro foi tirar seus ensaios da quadra da Freguesia. O Boi sempre teve aquela quadra como sua casa, como o local da sua comunidade. Agora que perdeu essa quadra em definitivo vem sofrendo muito com essa perda de identidade, e o segundo erro o enredo escolhido.
O presidente Eloy teve a oportunidade de contratar o carnavalesco Paulo Barros, mas não quis gastar dinheiro. Preferiu o já falecido carnavalesco Cláudio de Jesus e ele que já trabalhava no carnaval de Cabo Frio fez um enredo sobre a cidade.
Cláudio não tinha experiência como carnavalesco e fez uma sinopse comum, caindo no lugar comum das coisas da cidade – não dando oportunidade de criar como fizemos no enredo sobre Holambra, onde colocamos as flores em primeiro lugar.
Nesse ano tivemos uma aventura na Portela, com o samba sendo cortado rapidamente. Isso acabou ajudando na confecção do samba do Boi, já que pegamos algumas partes dele pra usar. Mantivemos a parceria do ano anterior e o mesmo time de palco. O samba era assim:
Compositores: Aloisio Villar, Paulo Travassos, Roger Linhares, Cadinho e Mestre Arerê
A vinda do descobridor
Deu vida a imaginação
Homem branco navega
Em busca de colonização
Encontra o dono da terra
Índio é forte, é valente
Vai a luta, entra em guerra
Sobre a área conquistada
Agricultura é plantada
O sal é fonte desse chão
Joga rede no mar pescador
Agradeça o alimento ao criador
Vou mergulhar nessa magia
Nesse balanço vou até raiar o dia
O Sol, as praias lindas, a brisa no ar
No cais meu bem eu vou te namorar
Curtir a paisagem
Esporte é vida, lazer e saúde
Fonte da juventude
É noite no paraíso tropical
O rei momo alegra a Cabofolia
Vou brincar meu carnaval
Em quinhentos anos de glórias
Cabo Frio conta e canta sua história
Vamos brincar, vamos brindar, pode aplaudir
A minha escola hoje na Sapucaí
Começamos forte essa disputa, com toda pinta de tricampeonato, mas aos poucos começou um burburinho sobre o samba da parceria que veio de Cabo Frio disputar. Algumas pessoas disseram que a ajuda do município estava condicionada à vitória desse samba, outras que o carnavalesco estava ‘fechado’ com eles.
O samba tinha partes boas, mas era ingênuo em outras e sua vitória seria uma temeridade. Apesar de achar esse nosso samba abaixo dos dois vitoriosos de antes, tinha consciência que o nosso era o melhor e assim como toda a parceria me preocupava com essas histórias.
Nosso forte palco composto por Roger Linhares, Nando Pessoa e Cadinho foi reforçado por Flávio Martins. Era o melhor disparado da disputa, mas mesmo com o melhor samba e melhor palco chegou uma hora que o samba não rendia mais o que rendia no começo. Muito devido ao disse me disse.
Na semana da final surgiu a história de junção.
Eu nunca passara por uma junção de samba e nem sabia como era a montagem de uma. Na véspera da final estava na aula da pós graduação e meu telefone não parava, com os parceiros ligando e tentando pensar numa alternativa de ganharmos o samba. Chegamos a pensar na possibilidade do Roger vir de São Paulo ao Rio cantar o samba do Boi na avenida, para ver se assim sensibilizava o Eloy, mas era inviável. 
Fomos para a final de samba sem saber o que ocorreria, e cada parceria teria que se apresentar duas vezes. Nossa primeira apresentação, apesar da torcida imensa, foi ruim. A tensão aumentava. Minha mãe sentiu, perguntava o que ocorria e eu desconversava. No intervalo das apresentações vieram nos contar que a parceria de Cabo Frio venceria sozinha.
Reunimo-nos do lado de fora do clube do Cocotá, onde eram realizadas as eliminatórias, para decidir o que se faria. Ficamos revoltados com a história de derrota, de perder por um samba inferior por motivos que ninguém sabia ao certo quais; decidimos mostrar na segunda apresentação qual era o samba.
Maior parte da nossa torcida já tinha ido embora, mas fizemos uma senhora apresentação. Não só a melhor apresentação nossa naquele ano, mas pra mim junto com a apresentação final do Boi em 1998, de estréia do Roger em nosso samba do Boi no carnaval de 2001, final no Dendê em 2008 e nossa semifinal na Ilha ano passado, as nossas maiores apresentações em samba até hoje.
A diretoria toda se reuniu e ficou perfilada para ver aquela apresentação de garra, raivosa e se existia alguma dúvida sobre resultado acabou ali.
Pouco depois o resultado foi anunciado e eles realmente venceram, mas foi junção. Era o nosso tricampeonato, que deixou não só minha mãe aborrecida como muita gente furiosa na escola, inclusive meu amigo Anderson Baltar que não se conformava de não vencermos sozinhos e um tempo depois largou a escola. Foi polêmico, fez mal ao Boi, mas estávamos com a alma lavada: eles não levaram sozinhos.
O Eloy anunciou que só durante a semana as pessoas conheceriam o samba do Boi e assim todos foram embora nesse anticlímax. Graças a essa decisão errada o Boi não saboreou uma das maiores vitórias de sua história.
A final da União da Ilha era na mesma noite e a quadra da Ilha ficou vazia até que a final, lotada, do Boi acabasse. Só com o fim do Boi a quadra da Ilha começou a encher com as pessoas que estavam em nossa final e os comentários na Ilha eram todos sobre a polêmica no Boi.
Durante a semana Roger, Cadinho e Djalma Falcão botaram melodia numa letra pré-estabelecida pelo Eloy, que eu tentei mudar de todas as formas. Alegava que estava errada, primeira de samba enorme com segunda que terminava abruptamente e curta, palavras e frases repetidas, mas não adiantou. Eloy era turrão e não me ouviu.
O samba ficou assim:
Compositores: Aloisio Villar, Paulo Travassos, Roger Linhares, Cadinho da Ilha, Mestre Arerê, Valfredo, Jorginho Batuqueiro, Patinho, Miguel, Jacaré e Wellinton
A vinda do descobridor
Deu vida a imaginação
Homem branco navega
Em busca de colonização
Encontra o dono da terra
Índio é forte, é valente
Vai a luta, entra em guerra
Fui Santa Helena, fui
Senhora D`Assunção
Portugueses e franceses
Na batalha pelo chão
O Forte São Matheus surgiu
Na agricultura produtos mil
A construção naval
E a indústria da pesca e sal
Joga rede no mar pescador
Agradeça o alimento ao criador
Vou mergulhar nessa magia
Quinhentos anos é um mar de alegria
O Sol, em seu nascente, a brisa no ar
No cais meu bem vamos namorar
Curtir a paisagem
Esporte é vida, lazer e saúde
Fonte da juventude
Lindas praias, dunas brancas
Cabo Frio é beleza sem igual
O rei momo vem brincar Cabofolia
É carnaval
Essa junção com toda certeza foi o maior erro da história do Boi da Ilha.
Cadinho da Ilha assumiu o carro de som da escola e chamou Flávio Martins e Gilson Bacana a fim de dividir os microfones com ele. A escola fez um péssimo desfile, não aproveitando o viés de alta que estava com Orun Aye e Holambra e de forma merecida foi rebaixada para o Grupo B – não retornando mais ao grupo A.
Alguns anos depois descobrimos que a junção foi política. O presidente Eloy contava com uma ajuda de Cabo Frio – que acabou não ocorrendo.
Uma pena, mas de uma forma dolorosa o Boi aprendeu que samba e política não devem se misturar.
Pelo menos não deveriam.
E por falar em finais…
Nessa fase de finais de samba lembrei-me de duas grandes histórias que ocorreram, vistas por mim, e soube de uma ótima que quero dividir com vocês.
A primeira ocorreu na final do Boi para o carnaval de 1999: o enredo era “A saga de Kananciuê na aurora do mundo Carajás” que contava a criação do mundo através da lenda Carajás.
Foi escolhido um bom samba, o de Carlinhos Fuzil, Marquinhus do Banjo, Mauricio 100, Grilo e Alvinho. Um samba que marcou a escola, meu primeiro desfile na vida, mas que rendeu polêmica na escolha.
O presidente Eloy não quis dar o resultado, passou o microfone ao locutor. Este anunciou – e uma grande confusão se formou.
Muita gente não aceitava o resultado e um carro da polícia parou na frente do Boi. Um dos compositores derrotados saiu da quadra, deu de cara com os policiais e disse: “Podem entrar, os ladrões estão em cima do palco”, fazendo referência aos dirigentes da escola.
Essa história rende risadas no Boi da Ilha até hoje.
A próxima ocorreu com a gente, fomos as vítimas.
Na final de 2005, enredo “As águas de Oxalá”, estávamos crentes que venceríamos. O presidente Eloy passou por um cantor e disse “vou foder o Cadinho”.
Cadinho era o cantor da escola e meu parceiro de samba. Eloy fez o discurso tradicional de resultado, passou o microfone a ele e disse: “canta o samba do Ginho”.
Ginho, que ganhou o samba da Ilha pra 2013, ganhara com Professor e Nelsinho a disputa. Cadinho, atônito, se viu obrigado a cantar o samba enquanto eu saía furioso da quadra. Cadinho cantava no palco e Eloy atrás dava banana pra ele e falava rindo “Fodi o negão”.
E o samba tirou quatro notas dez na avenida, em um grande desfile. É… fodeu mesmo.
[N.do.E.: talvez por ética o colunista não tenha feito a referência, mas a “cabeça” deste samba do Boi da Ilha de 2005 tem a melodia idêntica ao início do samba da Portela de 1994. Aliás este samba portelense será reeditado em 2013 pela União do Parque Curicica, da Série Ouro]
O compositor Gugu das Candongas, quatro vezes campeão na Ilha e meu parceiro hoje no Boi, recebeu uma missão de um Pai de Santo.
Ele deveria matar um sapo e colocar a letra do maior rival costurada em sua boca na horta da escola. Gugu ficou com pena e comprou um sapo de borracha, como era amigo dos compositores rivais colocou outra letra na boca do sapo.
Na mesma final, seu parceiro Pardal recebeu a missão de arrumar um galo preto, amarrar em sua pata fitas com as letras dos sambas e soltar na porta da escola. Ele comprou o galo e na saída da Ilha o galo se soltou dentro do carro – voando sobre sua cabeça e fazendo cocô. Pardal, assustado, abriu a janela e jogou o galo fora.
Preciso nem dizer que perderam o samba, né?
Ah essas finais de samba maravilhosas… Que hoje seja contada mais uma, inesquecível e de preferência com final feliz.
Pedro Migão
Hoje é aniversário do meu grande amigo, parceiro e dono dessa bagaça Pedro Migão. Migão, muita paz, saúde e felicidade pra você que é um cara fantástico, de bem e merece só coisas felizes.
Que Deus te dê forças pra mudar o que é preciso e sabedoria pra aceitar o que não dá e principalmente, que te dê alegria porque ela é que nos move.
E deixe de ser tão mala em jogos do Flamengo (risos), abraços. Orun Ayé!