Jackson do Pandeiro está para a música brasileira como Mané Garrincha para o nosso futebol. Senhor absoluto na arte do ritmo, o do Pandeiro fazia uns balacobacos com a voz ao cantar seus cocos, xotes, quadrilhos, baiões, sambas, marchas e frevos que só encontram similar na cultura do drible, da ginga, do faz- que-vai-não-vai do anjo torto dos gramados.
Jackson pintava o sete feito o camisa sete,  cantava indo e voltando da linha de fundo até, subitamente, bater em gol ou mandar a redonda pro fuzuê da pequena área. Era versado no gogó e em seus atalhos,  como o velho Pastinha fazia ao menear o corpo retinto no jogo de angola. Era Seu Zé chegando das Alagoas e baixando na guma, de terno branco, lenço de seda e o escambau.Cresci ouvindo muito Jackson pintar os cavacos. Criado por avós e mãe pernambucana, os sons e os ritmos do nordeste formaram, ao lado do samba carioca, a trilha sonora sentimental que definiu os meus jeitos de escutar o mundo. Nos fuzuês de família, com a malungada, era nesses arrepiados de sanfona e pandeiro, com o zabumba, que a vida festejava suas alegrias. E eram três, os grandes do Norte.

O centenário Luiz Gonzaga, senhor da trindade santíssima da música do nordeste,  tinha a majestade de Oxalufã, o pai maior. A sanfona era seu opaxorô; cajado de segredos. O velho Lua vestia o gibão de couro com a fidalguia grande de Babá ao trajar o pano branco.João do Vale, o segundo da trina , tinha o olhar desconfiado de Odé e o poder caçador de sua flecha certeira. Fez do carcará – o que pega, mata e come –  o passáro das feiticeiras do país nagô. Passou a vida  pisando na fulô e aprendeu o segredo de subir nos ares e brincar na asa do vento – aquele que muita gente desconhece.

E como Jackson jogava nessa linha de frente divina e  infernal? O do Pandeiro cantava como Exu, no riscado, na fresta, malandreando no sincopado, desconversando, rindo feito o capeta no coco. Desconfio mesmo que era o dono do corpo, Laroiê, que chegava junto, fungando no cangote do malandro.

Jackson nos deixou em 1982, há trinta anos. Foi malandrear no terreiro grande do Orum, Aruanda dos pretos, macaia macaiana dos caboclos. Ouvir Jackson é quase um ritual, feito tomar cachaça, pedir licença na encruza,  oferecer a do santo, responder o coco na palma da mão, ralar o bucho no forró em Limoeiro, xaxar na Paraíba, arrumar encrenca com a mulher do Aníbal e louvar o mirradinho que ajuremou e cantava pra caralho. 

Abraços