Neste sábado, mais uma edição da coluna de contos do compositor Aloísio Villar, a “Buraco da Fechadura”.
Próxima Estação
Metrô (muito) cheio. Seis e meia da tarde em um Rio de Janeiro chuvoso. Paula correu até a Cinelândia para que pudesse pegar o metrô com destino à estação Afonso Peña, na Tijuca, onde morava.
Mulher bonita, loira, 28 anos, boca carnuda, seios volumosos. Paula era o tipo de mulher que chamava atenção, ainda mais toda molhada e com a blusa branca encharcada que transparecia seu sutiã negro.
E era uma chuva daquelas… Daquelas que o carioca olha para o céu antes mesmo de começar a pingar ao notar as ameaçadoras nuvens negras e diz “lá vem desgraça”. Os pancadões de chuva que marcam o mês de janeiro no Rio de Janeiro, que deixam pessoas ilhadas, enchem ruas e desabam casas. Uma chuva dessas se apresentava ao povo carioca naquele dia.
Paula entrou na estação cheia, normalmente é cheia, mas em dia de chuva muito mais. Comprou sua passagem e se encaminhou para esperar o metrô. Irritava-se em ver os marmanjos olharem com volúpia sua blusa transparente e colocou os braços na frente dos seios.
Plataforma lotada – e o metrô veio mais cheio ainda. Empurra empurra tanto para entrar quanto para sair e Paula se espremendo, tenta e de tanto empurrar e ser empurrada consegue entrar.
Não teve jeito: teve que viajar em pé mesmo e apesar de ser um vagão exclusivo de mulheres, muitos homens se acotovelavam no espaço mostrando a total falta de respeito com leis. Vagão tão cheio que existia até dificuldade para respirar.
Paula pensava como estaria a Afonso Peña quando descesse, torcendo para não estar alagada, quando sentiu um homem se encostando nela. Irritada, olhou feio para ele e empurrando aqui e ali conseguiu mudar de lugar.
Por sorte na Central do Brasil o vagão esvaziou, com as pessoas saindo e pegando trens para vários pontos da cidade. Paula então pôde sentar e relaxar um pouco.
Encostou-se na janela e aos poucos o sono foi lhe vencendo. Dormiu e chegou até a sonhar com sua caminha aconchegante quando abriu os olhos assustada pensando estar em sua estação, mas ainda faltavam duas.
Até que percebeu que um homem não tirava os olhos dela.
O homem estava sentado no banco a sua frente. Negro, bonito, corpo atlético, bem vestido, usava óculos escuros e não parava de olhar Paula, era nem disfarçadamente, olhava mesmo.
A menina se constrangeu, tampou a blusa por causa da transparência, mas percebeu que ele não olhava seu corpo e sim seu rosto. Paula ficou bem incomodada, olhava para os lados, para o chão, o teto com o homem lhe olhando, pensou em reclamar, mas não teve coragem.
Sentia-se mal, violentada com aquele olhar, a impressão que tinha era que se ele pudesse lhe agarrava ali mesmo e a possuía na frente de todos. Deu graças a Deus quando chegou a sua estação e desceu.
Correu em disparada sem olhar para trás, não quis ver se o homem lhe acompanhava no olhar. Subiu a escadaria em velocidade e respirou fundo quando viu que a chuva continuava forte. Não tinha outro jeito: encarou a chuva.
Correu por três quarteirões com águas nas canelas até que entrou em casa. Toda molhada, foi recebida pelos pais, que se diziam preocupados com ela. Paula respondeu que estava tudo bem e Breno, seu noivo, apareceu da cozinha comendo um sanduíche de pernil e perguntando se estava tudo bem.
Paula irritada respondeu que não: não estava nada bem. Pegou uma chuva violenta, foi amassada dentro do metrô, teve que aturar tarados e ainda estava arriscada a pegar uma gripe. Breno perguntou que história era aquela de tarados quando a mãe de Paula pediu que ela trocasse de roupa para evitar a gripe e que lhe prepararia uma sopa.
Depois da sopa ficaram Paula, seus pais e Breno na sala vendo televisão até que o pai começou a roncar e a mãe pediu licença que eles iriam dormir. Subiram e Breno e Paula continuaram vendo tv. Paula pediu que o noivo se aproximasse e ficasse abraçado com ela e o rapaz negou-se argumentando que o filme estava ótimo.
Paula se irritou e reclamou que era sempre assim com ela em segundo plano. Perguntou por que ele não atendeu ao telefone quando ela ligou ao sair do trabalho e Breno respondeu que só vira depois e perguntou o que ela queria. Paula respondeu que era para ele buscá-la no metrô e assim não pegasse chuva.
Breno sem olhar a noiva totalmente concentrado no filme disse que não teria como ir. Emprestara o carro pro irmão e tinha ido até lá a pé. Paula preferiu falar mais nada e tentou assistir o filme na tv.
Trinta segundos depois ela desistiu e contou que estava com sono e iria dormir. Breno respondeu que tudo bem ela podia ir – que quando o filme acabasse desligaria tudo e iria embora pra casa. Paula então se levantou, deu um beijinho na boca de Breno (que nem olhou para a noiva, não tirando os olhos da TV) e foi dormir.
Tirou a roupa, colocou o pijama e foi até o banheiro escovar os dentes. Olhando o espelho se lembrou do homem do metrô e se perguntou o quanto era o desejo dele por ela. Paula há muito não se sentia desejada, o noivado com Breno caíra na rotina.
Olhando-se no espelho desabotoou um botão do pijama e se via no espelho. Desabotoou mais um, dois e deixou os seios quase a mostra. Colocou a mão por dentro e imaginou a mão do homem lhe tocando. Com toda a vontade e volúpia lhe possuindo.
Paula parecia em transe tocando seu corpo e sentindo a mão do homem do metrô quando Breno embaixo bateu a porta indo embora e ela despertou. Olhou-se no espelho e abotoou novamente o pijama, indo deitar.
O relógio tocou seis da manhã, lhe convidando para acordar. Era sexta-feira e Paula acordou com mais sono que o normal. Desceu e o café já estava servido por sua mãe. Tomou o café com leite e comeu o pão com manteiga com rapidez por estar atrasada. Despediu-se da mãe e saiu correndo, com a senhora reclamando que a vida não podia ser corrida assim.
Pegou o metrô, chegou no trabalho e não parou praticamente o dia todo. Comeu um lanche no almoço, ligou para o noivo perguntando se fariam algo de noite e Breno respondeu que não, pois ensaiaria com sua banda, mas poderiam ir ao cinema no dia seguinte. Irritou-se, desligou o telefone com violência e voltou ao trabalho.
Os amigos do trabalho convidaram para um chopp depois do expediente e ela aceitou. Paula deu risada com os colegas e até contou por alto a história do homem do metrô, sua amiga mais próxima, Fabiana, respondeu que dar “umazinha” com o desconhecido era até uma boa para esquentar sua relação e Paula apenas riu.
Pegou o metrô e como era mais tarde e todos iam para a farra sentou-se logo e abriu uma revista. Ficou lendo e quando abaixou para ver as horas percebeu o homem negro de óculos escuros novamente olhando para ela.
De novo ficou desconcertada, constrangida, mas dessa vez não se sentiu violentada, gostava do jeito daquele homem. Aos poucos ela parou de desviar o olhar e também começou a olhar para ele fixamente. Ficaram os dois se olhando sem dizer uma palavra, apenas o tesão exalava no ar e Paula em pensamento torcia para que ele falasse algo.
Mas o homem nada disse e ela conformada desceu na sua estação.
Deitou-se mais cedo e não conseguiu dormir pensando no homem e na forma que conseguia possuí-la apenas com o olhar. Virou-se na cama diversas vezes e nada do sono vir. Colocou a mão por dentro da calcinha e começou a imaginar o homem lhe pegando com vontade no vagão do metrô, encostando à parede, afastando sua calcinha e tomando seu corpo para ele. Os dois ali transando como dois pervertidos no balançar do trem do metrô que percorria os trilhos até a próxima estação.
Quando viu sua mão estava molhada de prazer então Paula sentiu-se a vontade para dormir.
No dia seguinte foi ao cinema com Breno ver um filme de guerra, gênero que odiava. Enquanto o rapaz entusiasmado via o filme e comia pipoca Paula enfurnada na cadeira só rezava para o tempo passar logo e ir embora. Depois do filme comeram uma pizza e Paula de bate pronto propôs ao noivo irem a um motel.
Breno respondeu que estava duro. Paula suspirou de raiva e disse que pagava, então ele topou. No quarto do motel Breno subiu sobre a noiva para transar e Paula deitada na cama não sentia nada apenas pensando no homem do metrô. Uns dois minutos depois que começou o ato Breno chegou ao orgasmo deitando ao lado de uma noiva frustrada.
No dia seguinte Breno foi ver o jogo do Vasco com seu irmão e Paula ficou em casa sozinha. Passou o dia na sala vendo tv com os pais e imaginando se veria seu “amante” no metrô.
Trabalhou na segunda ansiosa e entrou no vagão procurando por ele. Até que o encontrou sentado. Conseguiu depois de um tempo sentar-se a sua frente e ele não parou de olhar a ela, fixamente atrás daqueles óculos escuros que deixavam tudo mais sensual. O jogo de sedução estava estabelecido, sem nenhuma troca de palavras – apenas o desejo falando por eles.
E foi assim durante os dias.
Paula terminava de trabalhar e corria para o metrô na esperança de encontrá-lo e sempre conseguia. Por uma grande sorte pegavam sempre o mesmo trem e o mesmo vagão. Não trocavam uma palavra e Paula sempre descia na Afonso Pena sem olhar para trás, imaginando que o homem lhe seguia com os olhos como se quisesse devorá-la.
Duas semanas nesse jogo de sedução, até que ela resolveu ousar. Foi ao trabalho com decote para chamar sua atenção. Sentou-se à frente dele na volta para casa e sentiu que mexera com o homem. Não em seu semblante ou na forma de agir que era a mesma, mas mulher tem sexto sentido, entende dessas coisas e Paula tinha certeza que alcançara seu objetivo.
Resolveu abrir-se com a amiga Fabiana. Contou em todos os detalhes o que ocorria e perguntou o que fazer. Fabiana respondeu que a amiga não podia perder aquele homem e tinha que investir nele. Paula argumentou que era noiva e Fabiana revidou dizendo que Breno era um babacão e merecia ter a testa ornamentada.
Fabiana disse “vai lá, sai com ele que as coisas vão melhorar para você e dependendo do quanto ele for gostoso, se livre do Breno”.
Paula respondeu que a amiga estava certa e Fabiana mandou que ela se vestisse lindamente no dia seguinte e tomasse a iniciativa, fosse até ele. Paula respondeu que nunca fizera isso e Fabiana olhando sério para a moça falou “chegou a hora de fazer então, faz parte desse jogo”.
Paula concordou e no dia seguinte estava linda como nunca. Vestiu-se provocante, botou o melhor perfume e avisou em casa que talvez chegasse mais tarde. Aquele homem seria dela.
Trabalhou ansiosa e, mais ansiosa ainda, pegou o metrô a fim de voltar para casa. Sentou-se como de costume à sua frente, tentando tomar coragem de falar com ele. A estação Afonso Peña chegou e ela não desceu, desceria junto com ele e ali falaria.
Chegaram à última estação, Saens Peña – onde todos teriam que descer. O metrô parou e Paula ansiosa levantou e se encaminhou até a ele, até sua frente, só esperando que ele também levantasse para falar.
Até que o homem sentado ao lado dele levantou-se, pegou uma bengala branca e disse “vem Nelson”.  O “amante” de Paula levantou-se com dificuldade apoiado pelo amigo, pegou a bengala e dando o braço para ele, saiu do vagão.
O negro de óculos escuros era cego, não via absolutamente nada.
Os dois foram embora e Paula ficou ali parada sem ter o que fazer e como agir.
Arrumou coragem e foi pra casa. Abrindo a porta encontrou Breno no sofá vendo filme.
Andou até ele que se assustou com o semblante que a noiva apresentava. Breno levantou-se e perguntou qual era o problema.
Paula chorando começou a socar o peito de Breno gritando “ele é cego!! Ele é cego!!”.  O que os olhos não vêem o coração não sente.