Prefácio do jornalista Vagner Fernandes – a quem agradeço profundamente – para o meu livro sobre a Portela. O lançamento ocorrerá no dia 31 de outubro, na livraria da Travessa do Leblon, às 19 horas. 
 
Não há amante do samba que não conheça e não tenha admiração pela história da maior campeã do carnaval do Rio de Janeiro.  A Portela tem a peculiaridade de despertar sentimentos que, na escala dos pecados capitais, colocaria seus admiradores e integrantes na fogueira do mais temido deles: a vaidade. Garante mestre Monarco, na célebre letra de uma de suas antológicas criações, que “a Portela enfrenta derrota como vitória” e que “só ela sabe ganhar e perder”. Não é bem assim. Como bom time de futebol e qualquer outra agremiação carnavalesca, as subtrações das frações decimais que desde 1970 vêm impedindo a azul e branco de Oswaldo Cruz a figurar sozinha no ranking da maior festa popular do Brasil têm sido motivo de polêmica e de muitos choros ao longo das quatro últimas décadas. Não poderia ser diferente, já que estamos diante de uma escola apaixonada e apaixonante.

Com maestria, delicadeza e precisão, Luiz Antonio Simas nos aprisiona neste belo trabalho sobre a história celestial portelense, resgatando personagens-ícones que revelaram para o Brasil e para o mundo que o suburbano bairro de Oswaldo Cruz é um verdadeiro relicário poético de beleza singular. Das migrações dos descendentes de escravos para a Grande Madureira, expulsos das regiões centrais do Rio pelo “surto” de modernização imposto pelo prefeito Pereira Passos, aos lendários e pioneiros Paulo Benjamin de Oliveira (Paulo da Portela) e Natalino José do Nascimento (Natal) passeamos por páginas pontuadas por uma historicidade inebriante e comovente. Saltam dela os visionários Antônio Rufino e Antônio Caetano, líderes e partícipes da fundação da agremiação; revisita-se a personalidade contestadora do genial Candeia, que, descontente com as diretrizes administrativas e estéticas da Portela, promoveu uma das maiores rupturas já ocorridas no mundo do samba, antecedendo outra cisão que golpearia a união portelense, com a criação do Grêmio Recreativo Escola de Samba Tradição; decortina-se a magia da Velha Guarda, grupo idealizado por Paulinho da Viola, que atravessa gerações, perpetuando uma obra preciosa, repleta de lirismo.

Luiz Antonio Simas não lança mão de subterfúgios para metaforizar conceitos e histórias íngremes de bastidores. Absolutamente seguro de sua narrativa envolvente, Simas reconstrói o passado para explicar o presente, sem desconfigurar cenários e alterar scripts. E ao conduzir-nos, aqui e agora, a esse desfile sem cronometragem pré-estabelecida da mais tradicional das agremiações do Carnaval carioca, acaba por se tornar cruel ao nos impulsionar ao abismo da felicidade e da paixão nesta obra, na qual revela o segredo da força motriz indelével que, em 90 anos, ilumina o panteão do samba com 21 estrelas de brilho intenso e inextinguível.

Vagner Fernandes, setembro de 2012.

Jornalista e escritor de Clara Nunes: guerreira da utopia.