Retornando após breve interregno para ver o Yankees ser eliminado de forma constrangedora no campeonato americano de beisebol, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, inicia uma série de duas colunas sobre o sistema eleitoral americano e as perspectivas para as eleições.
A segunda parte será publicada amanhã.
Eleições Americanas – Parte I
Com a eleição presidencial americana no dia 6 de novembro se aproximando, é chegada a hora dessa coluna dar seus pitacos sobre a situação da disputa entre o atual presidente Barack Obama, do Partido Democrata (D), que no Brasil seria de centro, talvez centro-esquerda e o desafiante Mitt Romney, do Partido Republicano (R), que no Brasil seria de direita, com núcleos de ultra-direita.
Mas antes de fazer meus comentários, preciso explicar como funciona o sistema americano de eleição presidencial, que é totalmente diferente do brasileiro.
Para começar: nos EUA, diferentemente do Brasil, a eleição é indireta. Ou seja, no dia 6 de novembro, Obama e Romney não disputarão exatamente o cargo de Presidente, mas apenas o direito de escolher os membros de um colégio eleitoral que irá se reunir em 17 de dezembro. Esse colégio é que ira decidir o novo presidente e o novo vice-presidente americanos.
O número de delegados que cada estado pode indicar para o Colégio Eleitoral é o número de deputados que o estado tem direito mais o número de senadores (sendo que todos os 50 estados tem direito a 2 senadores). Assim, o menor número de delegados que um estado pode ter é três (1 deputado + 2 senadores).
Não há um limite máximo de delegados alocados para um mesmo estado. Atualmente o estado com o maior número de delegados é a Califórnia, com 55. É seguido pelo Texas, com 38, Florida e New York, cada um com 29, Illinois e Pennsylvania, com 20 e Ohio com 18.
Atualmente a Câmara de Deputados americana tem 435 membros e o Senado 100. Porém são 538 delegados que compõem o Colégio Eleitoral, já que o distrito federal da capital, Washington, tem o direito de eleger três delegados, apesar de não se constituir como um estado – mas uma área especial sob administração direta federal. Quem conseguir mais de 50% dos delegados, ou seja, ser apontado por 270 delegados, será eleito presidente dos Estados Unidos.
Outro ponto em que os EUA são diferentes do Brasil é na organização das eleições. Aqui no Brasil temos um direito eleitoral legislado pela União, que vigora em todo país com regras únicas e um sistema jurídico-organizacional único, comandada na maior instância pelo TSE.
Já nos Estados Unidos, cada estado tem o direito de fazer suas próprias regras eleitorais e organizar suas eleições da forma como bem entender. Não há uma justiça eleitoral nacional, só há uma justiça eleitoral estadual (isso quando há, existem estados que nem tem justiça eleitoral alguma). No máximo eles precisam respeitar algumas normas gerais bem básicas, escritas na Constituição Americana e algumas leis federais bastante esparsas.
Sendo assim, cada estado também é livre para escolher a forma de alocação de seus delegados da forma como bem entender. É como se 50 eleições diferentes e simultâneas acontecessem, mas sem qualquer relação entre elas.
No final das contas, 48 estados adotam a mesmíssima regra para a alocação de delegados entre os diferentes candidatos: a “winner take all” (em português, “o vencedor leva tudo”).
Como o próprio nome já se auto-explica, essa regra é bem simples: não importa se a diferença foi de 1 voto ou de 1 milhão de votos, nem se ele conseguiu ou não 50% dos votos totais. O vencedor naquele estado tem o direito de escolher todos os delegados a que tem direito.
É justamente a distorção provocada por essa regra que permite matematicamente que um candidato menos votado nacionalmente consiga ganhar a votação no Colégio Eleitoral. Essa hipótese é bem rara: só ocorreu três vezes. Mas a última delas foi exatamente a estranha eleição de 2000, que elegeu George W. Bush para seu primeiro mandato. As outras duas ocorrências foram em 1876 – eleito Hayes (R), e em 1888, eleito Harrison (R).
Outro efeito indesejado dessa regra é que muitos estados pequenos acabam ficando de fora do circuito das campanhas justamente por sua insignificância, já que é mais fácil concentrar forças em poucos estados que concentram mais votos eleitorais.
Nas últimas três ou quatro eleições esse último efeito praticamente desapareceu. Seja pelo extremo acirramento das eleições, nas quais qualquer estado de três delegados pode fazer diferença; seja porque boa parte dos grandes estados tem seus resultados já estabilizados desde o início (explico melhor no início da próxima coluna).
Dois estados, Maine e Nebraska, utilizam uma forma diferente para decidir seus delegados: a proporcionalidade por distritos. Mas de proporcional essa fórmula só tem o nome. Na verdade ela se utiliza dos distritos congressionais do estado.
Para explicar essa fórmula, antes eu preciso explicar outra diferença do sistema eleitoral americano. Os EUA, mais uma vez diferentemente do Brasil, utilizam o voto distrital para eleger sua Câmara dos Deputados.
Ou seja, o estado é dividido geograficamente em um número de distritos igual ao número de deputados a que o estado tem direito e cada distrito escolhe um deputado em uma eleição majoritária (aquela simples, que quem tiver o maior número de votos ganha).
O sistema proporcional por distritos se utiliza exatamente dessa divisão por distritos. O mesmo distrito que elege um deputado dá direito a um delegado para o candidato a presidente que vencer dentro do distrito. Os dois votos equivalentes às duas cadeiras de senador do estado são dados ao candidato que tiver mais votos na soma de todos os distritos.
No Maine, um estado pequeno bastante homogêneo, que só tem dois distritos, essa regra é mais pró-forma do que prática. Desde que essa fórmula foi posta em prática o mesmo candidato ganhou nos dois distritos e levou todos os quatro delegados do estado, se igualando ao resultado da “winner take all”.
Porém no Nebraska essa regra pode fazer diferença. O estado tradicionalmente é republicano nato, mas seu segundo distrito fica encravado na cidade de Omaha e é dividido.
Em 2008 Obama conseguiu ganhar a eleição nesse distrito e levou um delegado de Nebraska. Os outros quatro delegados do estado foram para McCain. Para 2012, o segundo distrito está de novo dividido, mas os republicanos devem ganhá-lo graças a uma artimanha política que não dá para explicar em apenas 2 ou 3 linhas. Mas quem quiser se aprofundar, pode ir à Wikipédia em inglês e procurar pelo termo “gerrymandering”.
Tendo explicado (ou tentado explicar) o sistema americano, finalmente posso começar a tecer minhas considerações, o que farei amanhã para não alongar demais a coluna.