Neste sábado, mais uma edição da coluna de contos do compositor Aloísio Villar.
Never Can Say Goodbye
Esse é o nome de uma famosa música americana dos anos 70, a era disco. Foi gravada pelos Jackson 5, Gloria Gaynor e por diversos artistas. É a música preferida do personagem principal dessa história.
Jardel era um cara cinquentão já. Trabalhara anos como executivo de uma multinacional e cansou da vida, cansou da rotina. Encerrou um casamento de trinta anos, com três filhos já criados e deixou a empresa recebendo uma boa bolada.
Começava uma nova vida. Alugou um apartamento de frente para o mar de Ipanema, começou a cuidar da saúde acordando cedo todas as manhãs para fazer Cooper. Na volta tomava água de coco em um quiosque e reparava nas menininhas.
Conheceu uma galera mais nova e se tornou adepto do vôlei de praia e do futevôlei, com certo atraso Jardel entrava para a “geração saúde”.  
Mas desde pequeno Jardel se acostumara a trabalhar e não conseguia ficar parado, mas também não queria mais saber de escritórios. Tinha um bom dinheiro no banco e queria utilizá-lo de alguma forma. Pensou, pensou e decidiu unir o útil ao agradável.
Adorava música, principalmente dos anos 70. Gloria Gaynor, Donna Summer, Barry White, Stevie Wonder, Bee Gees, tudo que envolvia aquela época.  Soube que uma boate estava à venda perto de sua casa, consultou suas finanças e viu que dava.
Comprou a boate, reformou e transformou a casa dando-lhe estilo anos 70, deu o nome de “Night Fever” ao local.
A Night Fever foi um sucesso. A casa “bombou” todos os dias. freqüentada por cinquentões saudosos e pela juventude curiosa querendo saber mais sobre aquele estilo de música e de vida.
Jardel, dono da boate, ia todos os dias não somente para trabalhar como para se divertir. Revivia seus tempos de “os embalos de sábado a noite” e se acabava na pista de dança. Todos paravam para vê-lo e aplaudir.
Jardel vivia a vida que pediu a Deus. Passava o dia na praia, se divertindo, praticando esportes e de noite ganhava dinheiro e aproveitava a solteirice em sua própria boate. Nem os problemas com a ex mulher, que lhe importunava dia e noite pedindo dinheiro e coisas para os filhos, tirava seu bom humor.
Também aproveitava para “tirar o atraso” depois de trinta anos de casado. Cada noite era uma mulher diferente; às vezes várias em festinhas que realizava com amigos no apê de Ipanema. Bebida e Viagra correndo a solta e de manhã enquanto todos os amigos curtiam ressaca ele cheio de disposição corria até o Arpoador e voltava.   
Mas Jardel era um romântico à moda antiga: começava a sentir falta de uma relação mais séria. Às vezes lembrava-se de Elisa, seu amor do final dos anos 70, um louco e forte amor interrompido pela ida de Elisa para a Europa. Na época da tristeza pela perda do grande amor que Jardel conheceu aquela que seria sua esposa.
Sentia falta de Elisa, de um amor como Elisa, era o que faltava para a felicidade ser completa.
Uma noite bebia uísque com amigos no bar da boate quando reparou em uma loira linda dançando com grupo de amigos. Jardel perguntou se alguém conhecia e o barman respondeu que ela estivera na casa na noite anterior. Jardel comentou que estava na boate e não vira aquela gracinha por lá.
O homem bebia o uísque e olhava a pista de dança, a menina reparou nos olhares e, envergonhada, tentava não revidar. Em determinado momento Jardel mandou que o garçom servisse o grupo gratuitamente no que quisessem e ela com copo na mão ergueu a mesma agradecendo.
Depois de um tempo Jardel foi para a pista e perguntou se ela não queria dançar. O DJ percebendo a aproximação colocou “never can say goodbye”. A menina sorriu e sem jeito disse que adorava essa música. Jardel então estendeu a mão e falou “vem”.
Dançaram e depois sentaram pra conversar. Descobriu que ela se chamava Lucinha e era estudante.  Tinha mãe brasileira, mas nasceu e foi criada fora e voltando ao Rio de Janeiro há apenas um ano. Jardel se encantou com a moça: queria conhecê-la melhor.
No fim da noite se ofereceu para levar a moça em casa, mas Lucinha achou melhor não. Deu um beijo no rosto de Jardel e foi embora com o grupo que chegou. O homem ficou lá sozinho no meio da pista de dança plantado. Nunca uma mulher recusara a carona, estava apaixonado.
Percebeu que um dos amigos de Lucinha ficou na boate, já bêbado e colou no rapaz para pegar informações dela. O garoto disse que lhe conhecia há pouco tempo, mas Jardel encheu o moleque de uísque – e sua memória melhorou do nada.
Descobriu onde Lucinha estudava e apareceu lá com um buquê de flores na porta da sala de aula. A menina assustada escondeu o rosto de vergonha quando ele pediu licença e entrou para entregar enquanto a turma aplaudia.
Saíram pra comer pastel e tomar caldo de cana em uma lanchonete próxima e Jardel contou que pensara na moça o dia todo e nem conseguira dormir. Lucinha respondeu que também pensara muito nele, mas aquilo não poderia ser levado a sério, eram muito diferentes.
Jardel pediu uma chance, mas ela repetia que conhecia sua fama, era mulherengo, amante da noite, de esportes e ela não era nada disso. Mas ele insistiu e pediu que ela fosse à boate de noite. Lucinha relutou um pouco, mas acabou topando.
Jardel chegou cedo na “Night Fever” e ansioso esperava pela chegada de Lucinha. Nada da menina chegar até que viu o grupo que ela estava na noite anterior entrar na casa.
Ele correu ao encontro na esperança de encontrar a amada, mas ela não estava. Perguntou aos jovens por ela que responderam que ficou em casa estudando. Jardel se frustrou, mas numa atitude desesperada perguntou se alguém tinha seu endereço, por sorte uma das meninas tinha.
Jardel pediu que o gerente tomasse conta de tudo e pegou o carro debaixo de uma chuva torrencial para ir atrás de Lucinha.
Todo molhado tocou o interfone e ninguém atendia. Viu a portaria abandonada e conseguiu entrar tocando insistentemente a campainha até que ela abrisse.
Lucinha abriu e deu de cara com Jardel todo molhado pedindo que não batesse com a porta na cara dele. Lucinha então beijou o empresário e lhe puxou para dentro.
Na manhã seguinte Jardel acordou recebendo café da manhã na cama e rindo, dizendo se sentir especial. Lucinha pediu que ele não se acostumasse porque aquilo era exclusivo para a primeira noite. Jardel deu um beijo na amada e prometeu que todas as noites deles seriam como a primeira.
Viviam um grande caso de amor daqueles que procuramos por toda a vida. Jardel apaixonado nem ia mais à boate dedicando suas noites a cozinhar para Lucinha. Passeavam, iam ao Arpoador, praia, jantares românticos a luz de vela e noites cheias de amor.
Um dia Lucinha contou ao amado que sua mãe estava no Brasil e queria que ele a conhecesse. Jardel fingiu-se envergonhado e respondeu que não sabia como agir, há muito tempo que não conhecia mãe de pretendente. Lucinha mandou que ele parasse de bobeira e não se preocupasse, que sua mãe era “dez”.
Marcaram jantar para aquela noite e Jardel parecia uma menina indo ao primeiro baile de tão nervoso. Não sabia que roupa escolher, o que falar, precisou da ajuda de amigos para se produzir. Enquanto Jardel escolhia a roupa eles falavam que o amigo estava muito mudado.
A noite chegou e Jardel comprou flores para dar à sogra, no meio do caminho recebeu telefonema de Lucinha perguntando por ele e Jardel respondeu que já estava chegando.
A namorada contou que já estava com a mãe no local só lhe esperando. Entrou no restaurante com o buquê.
Lucinha levantou e deu um beijo no namorado pedindo para a mãe levantar. Quando a senhora levantou, o impacto.
Jardel: Elisa !!
Elisa: Jardel !!
Sim: a mãe de Lucinha era Elisa, o antigo amor de Jardel.
Lucinha, sem entender, perguntou se eles já se conheciam e Elisa respondeu que sim: Jardel era seu pai.
O mundo de Jardel e Lucinha desabou. Jardel sentou com palpitações no coração perguntando que história era aquela e Elisa respondeu que quando chegou à Europa se descobriu grávida, mas não queria contar a Jardel por considerá-lo um irresponsável na época. Decidiu criar a filha sozinha.
Jardel ficou estático: não sabia o que dizer. Aquele novo e grande amor era na verdade sua filha. Lucinha tomando ciência da gravidade da situação começou um choro compulsivo, doído.  Jardel tentou falar alguma coisa, mas a menina saiu correndo. Tentou ir atrás, mas Elisa impediu dizendo que ela iria.
Aquela notícia foi o começo de um pesadelo para Jardel.
Não viu mais Elisa nem Lucinha, parou de sair de casa para seus esportes e de ir à boate colocando-a a venda. Não queria mais sair da cama, deixou a barba crescer, bebia dia e noite.
Queria morrer.
Uma noite os amigos foram até sua casa e insistiram que Jardel não podia se entregar daquela maneira, o convencendo a ir até a boate. 
Chegando lá, o homem sentou em um canto e ficou quieto, não conseguia mais se divertir, aquele não era mais ambiente para ele que só pensava em Lucinha.
Notou que Lucinha estava na boate sentada com amigos. A menina tinha um semblante triste, quieta o tempo todo e depois de um tempo notou a presença de Jardel, ficaram se olhando sem ter coragem de dizer nada.
Até que o DJ colocou “never can say goodbye”.
Jardel não agüentou e se encaminhou para a pista de dança. Lucinha fez o mesmo e os dois ficaram frente a frente chorando, sem falar nada.
Do nada começam a dançar abraçados. Um abraço bem apertado onde um queria sentir o mais próximo possível o corpo do outro. Tentar assim esmagar toda aquela tristeza e saudade que viveria para sempre a partir dali entre os dois.
A dança mais triste de suas vidas, com as lágrimas se misturando a letra e a melodia.
Never can say goodbye…