Nesta segunda, de volta após um período de recesso, a coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro, fala sobre a resistência dos cinemas às novas formas de entretenimento.
Confesso que pessoalmente estas novas formas de diversão me afastaram dos cinemas. Nos últimos seis ou sete anos, excluindo-se filmes infantis fui uma única vez ao cinema. Mas sou exceção.
Cinema é a maior diversão
Eu estava ali, na transição da infância para a adolescência, quando o videocassete surgiu no Brasil. A loja mais perto da minha casa exigia uns 15 minutos de caminhada e era muito caro pegar um filme lá. Não era uma locadora, era o que se chamava na época de “vídeo-clube”, porque para pegar filmes era preciso ser sócio. E o requisito básico da admissão era doar dois filmes para o empreendimento (ou, claro, pagar o seu equivalente em dinheiro).
Era muito dinheiro, ao menos parecia ser para um moleque de 13 anos. O que, aliás, não fazia muita diferença mesmo, porque lá em casa não tinha videocassete.
A gente morava na maior casa da rua, havia três carros na garagem, meus amigos juravam que minha família era rica, mas o fato é que não tinha videocassete. Só quem tinha era o vizinho de porta, que além de videocassete, tinha motorista particular. Quando a filha dele nos convidava para ver um filme lá, a molecada se sentia nas nuvens vivendo uma experiência inédita.
Foi ali que todo mundo passou a vaticinar o fim do cinema. Cinema seria coisa do passado, da geração dos nossos pais. A gente ia ao Cinema América, na Praça Saens Peña, comprava um saquinho de pipoca na carrocinha, um Mentex no baleiro e passava as tardes das nossas férias de verão assistindo ET, Indiana Jones, Blade Runner, com direito ao Canal 100 e os gols de Zico antes do filme começar.
[N.do.E.: saudades do Canal 100. E de Zico também.]
Mas a gente sabia que era uma questão de tempo, que em breve a gente não ia mais precisar passar as tardes no cinema, logo cada um ia ter um videocassete na sua casa e pronto.
E por um tempo eu achei que as previsões iriam mesmo se confirmar. O assunto predileto da imprensa cultural nos anos 80 era noticiar o fechamento das salas de cinema. O Rian virou a Help, o Carioca virou Igreja Universal, o Imperator virou uma casa de shows, o Rio virou uma agência bancária.
Sei lá como, mas os cinemas resistiram. Os shoppings centers começaram a se espalhar e cada um deles tinha suas salas de cinema. Veio o Estação Botafogo, para emprestar um selo de qualidade aos seus freqüentadores, como membros de uma raça privilegiada diante dos infelizes que insistiam em se divertir com filmes hollywoodianos. Veio o Festival de Cinema do Rio. Virei adulto, me formei e nunca deixei de ir ao cinema.
Nessa época, na minha casa já tinham três videocassetes: um na sala, um no meu quarto, outro no quarto da minha irmã.
Logo depois veio a TV a Cabo.
Os profetas do apocalipse então passaram a preconizar dois falecimentos de uma só vez: do cinema e das locadoras de vídeo. No próximo movimento, home-theaters e os DVDs. Parecia um golpe definitivo: ora, se a qualidade de som é espetacular, a qualidade de imagem idem, por que raios alguém sairá de casa para ir a uma sala escura assistir filmes com estranhos?
Talvez pelo tamanho da tela. Então, que tal fazer televisões imensas? Aquela tvzona de 29 polegadas e que pesava uma barbaridade precisava ser aposentada.
Vamos fazer TVs de 40, 42, 50 polegadas, fininhas, que combinem com a decoração da casa. E vamos, melhor ainda, tornar a experiência de imagem algo muito impactante, com transmissão em HD, discos Blu-Ray e até mesmo TVs com recursos 3D.
Ah, e de quebra, vamos tornar o acesso aos filmes algo banal, à distância de um clique, através de downloads legais ou ilegais, torrents e tudo o mais. Diante desse arsenal de diversão ao redor do sofá, somada à onda de insegurança das metrópoles, é líquido e certo que as pessoas ficarão muito mais em casa e não perderão tempo de ir ao cinema. Chegamos, enfim, na segunda década do terceiro milênio inteiramente saciados de home enterteinament.
São mais de 30 anos de previsão do fim do cinema e suas salas escuras. A cada nova tecnologia, a desesperança se renova. E ninguém dá o braço a torcer. Admitam, ranzinzas, vocês perderam: O CINEMA NÃO VAI ACABAR NUNCA!
De forma paradoxal, mesmo diante de tanta tecnologia de exibição doméstica, o público do cinema cresce de forma constante. Aliás, o maior crescimento ocorreu justamente nos últimos anos, quando se previa exatamente o contrário.
Vejam o gráfico:

E cinema, que era algo barato, já não é tão mais. Os preços cresceram muito. Mesmo assim, 140 milhões de brasileiros saíram de suas casas em 2011 para assistir um filme.
Quem entende do riscado explica o fenômeno a partir da melhoria das condições oferecidas aos usuários. As salas de cinema são confortáveis, as opções de lanche são bem mais diversificadas, os espectadores são bem tratados.
O que não deixa de ser uma bela lição para os cartolas do futebol: quem sabe seja possível cobrar mais e duplicar a frequência aos estádios quando o torcedor passar a ser tratado com a dignidade que merece?
Enquanto esse dia não chega, todos ao Cinemark!