A história da fundação da cidade do Rio de Janeiro está longe de ser um mar de rosas. Até a estátua do Cristo Redentor sabe que os portugueses passaram um sufoco dos diabos para conquistar essas terras da Guanabara. Primeiro foram os franceses, que tentaram fundar por aqui a colônia da França Antártica. Depois de muita quizumba, a turma do Villegaignon foi expulsa pelos homens do governador-geral Mem de Sá.

Resolvida a questão? Nem pensar. Os franceses pularam fora, mas os portugueses tiveram que enfrentar a heróica resistência dos índios tupinambás, senhores da Guanabara. Foi para combater a Confederação dos Tamoios ( expressão que significa “os mais velhos”), esse episódio magnífico e pouco mencionado da nossa história, que Estácio de Sá, sobrinho do governador-geral, estabeleceu um arraial no sopé do Pão de Açúcar, no dia 1 de março de 1565. Esse episódio marca a fundação do núcleo original da cidade do Rio de Janeiro, que comemora hoje, portanto, 447 anos.
Eu sou daqui, vivo e amo a minha cidade, mas confesso: nessa história toda eu prefiro, mil vezes, os tupinambás. Guerreiros incontestes, bravos canoeiros, entrincheirados nas paliçadas de Uruçumirim ( o atual Morro da Glória) , os índios resistiram, infernizaram a vida dos devotos de São Sebastião, foram escravizados, combateram até o final de suas forças e foram relegados ao subterrâneo da história oficial, que prefere louvar Araribóia, o temiminó que converteu-se ao catolicismo, aderiu aos portugueses, virou cavaleiro da Ordem de Cristo e recebeu, por ter lutado ao lado dos europeus contra os tamoios, a sesmaria do Morro de São Lourenço, origem da cidade de Niterói. O índio embranquecido e convertido, enfim.
A Confederação dos Tamoios deve receber o mesmo tratamento que o Quilombo dos Palmares recebe como um movimento maior de rebeldia da História do Brasil. Quem quiser que comemore hoje – amanhã e todos os anos – o aniversário da cidade, mas que não se perca a dimensão da importância dos tupinambás como os valentes habitantes da Guanabara que morreram lutando pela terra.
Sei, e isso parece paradoxal, que a fundação da cidade marca o início da derrocada da rebelião dos índios. Estou convicto, porém, que é como os guerreiros tupinambás que temos que resistir aos desmandos dos que atentam, cotidianamente, contra nossa aldeia. Quem quiser que pule de alegria e grite “Salve Estácio de Sá”, “viva São Sebastião”, “longa vida ao Rio de Janeiro”; que me desculpem, porém, o herói português e o santo padroeiro : nós, cariocas, precisamos da valentia e do amor ao chão dos mais velhos para nos salvar.O axé dos guerreiros tamoios vive no arraial entre o Pão de Açúcar e o Cara de Cão, venta na memória  do Morro do Castelo, na Misericórdia, nas Praia de Santa Luzia, de Ramos, de Inhaúma, Flamengo, Botafogo, e Urca. Passeia na Paquetá da Imbuca, da Praia Grossa, do Catimbau, Pintor Castagneto, de Moema e Iracema, da Moreninha, do Lameirão, de São Roque, da Guarda, dos Frades e das Gaivotas. O canto dos tamoios ressoa nas umbandas velhas, onde o caboclo Tupinambá reina bonito como bugre que não se doma.

Que as flechas sejam tiradas, hoje, amanhã e sempre, do peito do padroeiro e devidamente entregues aos índios guerreiros de Uruçumirim – os que batizaram de poesias valentes a Guanabara – “o seio de onde brota o mar”.

abraços

4 Replies to “OS MAIS VELHOS DO RIO”

  1. Okê bamba é o clima, professor ! Parabéns a todos nós que vivemos e amamos esse chão.

    Agora o nosso bravo temiminó …Por isso que o Império veio dizendo:

    Araribóia loteou niteroi / e fez do indio sei office boy

    Um abração

  2. Excelente!
    só esperava mais do índio da minha terrinha!
    e com todo respeito aos índios daqui, não tem como deixar de lembrar das suas aulas a respeito dos valentes goitacases.
    abração!

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