Em patamares diferentes, dois fatos me chamaram a atenção para uma questão que está sendo enfrentada por um lado, mas que deveria ter sido feito por outro: o equilíbrio financeiro e das contas tanto de clubes de futebol quanto de escolas de samba.
O primeiro deles foi uma alegada proposta da Adidas de R$ 350 milhões em 10 anos para ser patrocinadora e fornecedora de uniformes do CR Flamengo. É um patamar bastante superior ao (bom) contrato atual, que entre grana e material rende cerca de R$ 21 milhões anuais. A presidente Patrícia Amorim desmentiu a existência de negociações mas não me surpreenderia se isso for apenas um despiste.
O segundo foi a notícia de que pela primeira vez as escolas do Grupo de Acesso A irão receber direitos de arena pela transmissão do desfile – que ocorre no sábado de carnaval. Normalmente estas escolas recebem um valor fixo para permitir o televisionamento do desfile, isso quando recebem: em 2009 a Lesga, organizadora deste grupo, comprou um horário na rede CNT a fim de viabilizar a transmissão.
Na verdade falo do Grupo de Acesso mas poderia estar me referindo ao Grupo Especial, que também vem descobrindo novos veios de recursos e ampliando as possibilidades de receita.
O leitor deve estar se perguntando onde quero chegar. Simples.
Ao invés de buscar gastar melhor os recursos de que dispõe, tanto o futebol quanto o carnaval enfrentam as  demandas cada vez maiores a fim de estar em patamares de qualidade aceitáveis. É mais fácil tentar novas fontes de receitas que gastar e gerir melhor o que já se possui.
Vamos pegar o Flamengo como exemplo. O clube, hoje, tem o maior contrato da televisão ao lado do Corinthians e ainda assim teve de pegar um adiantamento destas cotas – tecnicamente, um empréstimo bancário dando estas como garantia – de 40 milhões para fechar as contas deste ano de 2011. Sem dúvida alguma é sinal de que tem algo fora de prumo na gestão do clube.
Lembremos que o balanço referente a 2010 trazia um aumento de R$ 20 milhões nos esportes olímpicos, bem como mais R$ 40 milhões de dívida nova. Isso sem contar o fato de estarem havendo novos atrasos em pagamentos de impostos. A expectativa é de que o quadro das contas de 2011 seja ainda pior.
Hoje, se o clube tiver R$ 100 milhões de receita vai gastar R$ 200. Se tiver R$ 350, gasta R$ 500. Se for a R$ 1 bilhão de receitas, gasta R$ 2 bi. E por que isso ocorre?
Ocorre porque não há um modelo de gestão e governança estabelecido, com controles internos frouxos e ainda bastante amadorismo. Gasta-se muito, gasta-se mal e não há uma visão de longo prazo – o clube prefere trazer um jogador badalado, por exemplo, a investir na estrutura ou na formação de jogadores.
Não há, também, uma análise de custo benefício dos gastos, nem planejamento. Ressalte-se que a torcida tem sua parcela de culpa, ao exercer pressão tal que torna muito complicada uma conduta visando o médio/longo prazo – ela é imediatista. Isto resulta em coisas como as lendárias “engenharias financeiras” do ex-dirigente Kleber Leite – de triste memória para os cofres do clube.
Modelos de governança e gestão estabelecidos, controles internos, administração profissional, imparcialidade, impessoalidade e visão de longo prazo. Há muito a se avançar nesta área, bem como na análise do retorno oferecido por cada real baixo. Eu me arriscaria a dizer que o retorno gerado é negativo, ou seja, cada real gasto traz um retorno menor que o dispêndio.
Onde quero chegar? Que embora ainda haja muito a avançar no campo das receitas, o que se recebe em média é mal gasto, traz retorno negativo e significa um desperdício de recursos que poderiam ser muito mais eficazes com uma gestão recente.
Alerto, também, que claramente o futebol brasileiro vive uma “bolha” e, quando ela estourar, teremos um rastro de clubes quebrados pelo caminho. As receitas irão diminuir em velocidade maior que as despesas, por haver um descasamento entre os prazos dos contratos. Isso somado à má gestão como um todo pode ter consequências catastróficas.
Utilizo o Flamengo como exemplo mas este é quadro vivido por praticamente todos os grandes clubes brasileiros.
O quadro na gestão das escolas de samba é semelhante, embora haja duas diferenças significativas: os valores geridos anualmente são bem menores – não chegam a ultrapassar R$ 20 milhões anuais por agremiação – e os modelos de gestão são ainda mais incipientes que o observado nos clubes de futebol.
Palavras como planejamento, governança, controles internos, orçamento e correlatas ainda não chegaram às nossas escolas de samba.
Com isso, tudo é feito na base do atropelo, sempre a fim de remediar situações, muitas vezes na correria e com prazos extremamente exíguos. Convivem anomalias como o modelo atual de disputas de samba, que é pensado mais visando a receita imediata à escola que ao seu objetivo fim, que seria a escolha da composição mais adequada ao seu desfile.
Por exemplo, quadras como a da Imperatriz praticamente só tem receita de quadra durante este período.
Planejando e antecipando de forma adequada a preparação do carnaval pode-se obter uma economia de aproximadamente 20% nos gastos relacionados. Entretanto, sequer coisas básicas existem em muitas destas agremiações – como uma contabilidade organizada. É tudo na base do “papel de pão”, isso quando há – o normal é se efetuarem as despesas à medida da entrada de recursos, o que deixa o fluxo de caixa completamente desfigurado.
Mais uma vez há muito a ganhar em termos de captação de valores, mas modelos simples de orçamento, de gestão como um todo e de governança já melhorariam bastante a qualidade do gasto destas instituições. Obviamente, com aumento do retorno por cada real investido – e olha que aqui não entro em outras searas que envolvem a administração destes, por ser tema delicado.
Qualidade de gasto: mantra que os responsáveis pelo carnaval e pelo futebol deveriam seguir de forma obsessiva. Os resultados serão surpreendentes.
Voltarei ao tema.