Bom, a coluna “Orun Ayé”, de autoria do compositor Aloisio Villar, hoje fala da terceira escola de samba do bairro Ilha do Governador: a Acadêmicos do Dendê. Escola onde sempre em parceria com Villar obtive quatro vitórias – e brinco com ele dizendo que terei direito a um minuto de silêncio na quadra o dia em que eu morrer (risos).
O curioso é que já disputei sambas em escolas como a Vizinha Faladeira (qualquer dia conto esta história, é engraçadíssima) e na São Clemente, mas hoje restrinjo-me ao Acadêmicos do Dendê, escola pela qual tenho simpatia toda especial.
Passemos ao texto. A foto acima, do site da escola, é o cartaz original do enredo 2012 – “Loucos pela Ilha”.
Academia do Dendê
Já falei aqui da União da Ilha e minha saga nela, do Boi da Ilha e minha história na agremiação. Contudo, faltou uma escola que assim como as duas citadas é muito importante pra minha história. Eu costumo dizer que a União da Ilha é a minha escola como torcedor. Por causa dela que comecei a gostar de samba e carnaval. O Boi da Ilha a minha escola como compositor, lá eu aprendi o pouco que sei e lá me impulsionei pra outras conquistas.
E o que dizer do Acadêmicos do Dendê? Até a madrugada de sexta para sábado eu não tinha definição e agora eu tenho: o Dendê é a minha escola como sambista.
O Dendê foi uma daquelas escolas de samba que surgem como meteoro. Antes bloco, se tornou escola de samba em 1992 e em 1997 já desfilava no grupo de acesso A, um grupo apenas antes do Grupo Especial. Até chegar a esse ponto o Dendê nunca desfilara duas vezes no mesmo grupo – simplesmente o Dendê foi campeão dos grupos E,D,C (na única vez que enfrentou a coirmã Boi da Ilha) e vice campeã do B em 1996, conseguindo o seu lugar no sábado da Sapucaí.
Seu primeiro intérprete foi o Quinho, hoje cantor do Salgueiro e já tema de uma coluna minha. Chegou ao último degrau antes do especial tendo o inesquecível Carlinhos de Pilares como seu cantor. Era a hora da consagração da escola, chegar a um surpreendente grupo especial.
Mas não foi bem assim.
Como quase todas as escolas de samba que tiveram subida meteórica, o Dendê tinha um mecenas. Como em boa parte dessas escolas, o seu vinha do tráfico. O mantenedor do Dendê era o “dono do morro” Miltinho do Dendê, que na ocasião virou o traficante mais procurado da cidade e acabou preso. Isso foi um grande baque à escola, que continuou sem repetir desfiles no mesmo grupo, mas fez o caminho inverso.
Ficou em antepenúltimo no grupo A em 1997 (caindo pro Acesso B), rebaixada do B em 1998, não desfilou em 1999 sendo rebaixada do C e em 2000 rebaixada do D chegou ao grupo E. O último grupo, o Dendê que teve uma subida fantástica estava prestes a enrolar bandeira, ou seja, deixar de existir.
Mas houve guerreiros que não deixaram que isso ocorresse e o maior deles é o maior sambista que conheci até hoje: Ubirajara Oliveira, mais conhecido como Macalé. Antigo mestre sala que foi tudo no Dendê: diretor de harmonia, de carnaval, presidente – mas também aderecista, costureiro, empurrador de carros alegóricos… O Macalé simplesmente pegou o Acadêmicos do Dendê em seus braços e não lhe deixou morrer. A escola voltou ao grupo D em 2001, ao C em 2006 e caiu novamente para o Acesso D em 2010, onde está hoje.
E eu nisso tudo?
Já conhecia a escola de nome, mas pisar na agremiação pisei pela primeira vez em 1997 quando meu samba já tinha sido eliminado na União da Ilha e eu estava na disputa do Boi da Ilha. Me juntei com Paulo Travassos, Cadinho da Ilha, Dãozinho e Waltinho da Ilha e fizemos um samba pro enredo sobre o Dendê. O enredo não era apenas sobre a escola, mas o morro, azeite, tudo que envolvesse Dendê.
O SAMBA
Vem ver, vem ver, vem ver
Na nossa festa tem Dendê
Botamos o nosso tempero
Damos um banho de cheiro
A alegria está no ar
Nosso coco tem Dendê
Azeite quem vai querer
Mãe África de encantos mil

Trás a dor no peito
Seu povo não é tratado com respeito

Quero vatapá, acarajé
Vou pra Bahia, lá tem festa todo dia
Vamos pra lá minha Iaiá
Lavagem do Bonfim, festa de Iemanjá

Levo oferendas pra meus Orixás
Cheguei ao Brasil, conheci a maldade
Lutei, sou liberdade

Falam que nossa festa é profana
Coitado de quem diz
Nós somos simplesmente muito felizes
Me dê carona marinheiro, vou pro Rio de Janeiro
No samba vou ser aprendiz e ter a emoção
Ao ver as baianas com seus tabuleiros
No morro do Dendê eu me criei
Na avenida eu sou rei

A minha escola é amor, Ilha querida
Seu tempero é gostoso, tudo é maravilhoso
Na avenida
Posso dizer que esse samba é um dos três piores que já fiz até hoje. [N.do.E.: pela letra, é elogiável a autocrítica do colunista. É horroroso (risos)]. Nossa primeira apresentação, quando não teve corte, até foi boa, o desastre veio na semana seguinte – quando teve. Cadinho não pôde cantar por trabalhar bem na hora dela. Dãozinho então assumiria o comando, mas ele não estava em um estado, digamos, bom. Bebera um pouco além da conta, então Paulo Travassos e eu tivemos que subir para cantar com ele. Eu não canto bem e o Paulo nem podemos dizer que canta – ele não tem ritmo nem pra bater palmas em “parabéns pra você”.
O samba foi eliminado no primeiro corte e o Dãozinho ainda foi assaltado quando voltava andando pra casa.
No ano seguinte a escola não desfilou e no carnaval de 2000 voltamos a competir. Outro samba péssimo, mais um da lista dos três piores (o terceiro é o que competi na União da Ilha no carnaval de 1999)  e não passamos das quartas de final.
Até então minha história no Dendê era muito fraca. Ela começou a mudar no ano seguinte, quando cheguei à primeira final. Perdi e perdi também a final do ano seguinte, com sambas melhores que os dois primeiros que concorri.
A primeira vitória veio pro carnaval 2003, em um enredo sobre assombrações e numa difícil disputa contra Gugu das Candongas, Marquinhus do Banjo e Ito Melodia. Começava ali uma parceria vitoriosa minha e de Cadinho da Ilha com Gilberto Lua, Maneco e Decicka Jonnes. Parceria que conquistou o bicampeonato no ano seguinte em um enredo sobre cruzeiros marítimos e foi desfeita pro carnaval de 2005. Gilberto, Maneco e Decicka compuseram sozinhos e entraram na junção feita pela escola – nós ficamos de fora.
Para o carnaval de 2006 voltamos a ser parceiros e perdemos pra Gugu das Candongas e Marquinhus do Banjo.
Em 2007 começou uma nova etapa em nossa parceria. Maneco e Decicka saíram e entraram Bruno Revelação, Walkir e o dono do blog Pedro Migão. Em 2008 a parceria foi mantida com a entrada de Barbieri e Ito Melodia. E ganhamos o bicampeonato. Nas duas finais vencendo parcerias de Carlinhos Fuzil com Marcelo Cossito e de Gugu das Candongas com Marquinhus do Banjo. 
Em 2007 vencemos em um enredo sobre festas [N.do.E: o carnaval de 2007 já foi tema da coluna “Samba de Terça] e 2008 sobre lendas. O samba de 2008 é muito especial pra mim. Disputa muito acirrada contra hoje o meu parceiro de samba Carlinhos Fuzil. A final foi inesquecível. No meio de nossa apresentação nosso som acabou e os integrantes da quadra cantaram nossa obra de forma forte mostrando qual samba queriam.
E vencemos.
Em 2009 ficamos eu, Cadinho, Gilberto Lua e Bruno e o samba perdeu. Perdemos pra parceria de Barbieri, Ito Melodia e Marquinhus do Banjo, mesmo levando o hoje cantor da Mangueira Zé Paulo Sierra na final. Em 2010 Barbieri e Pedro Migão voltaram para nossa parceria e ganhamos empatado com a parceria de Gugu das Candongas, Marquinhus do Banjo e Gegê da Ilha – que faleceu logo depois do concurso.
As coisas começavam a mudar no Dendê.
Alguns anos antes o compositor Antônio da Costa, mais conhecido como Toninho, se juntou a Macalé para poder ajudar a escola. Tornou-se presidente da agremiação, com Macalé virando presidente de honra. Com Toninho chegaram pessoas novas a fim de administrar a agremiação.
Com o amor e a malandragem de Macalé e o profissionalismo do Toninho o Dendê virou uma nova escola. Finalmente a escola conseguiu um teto pra sua quadra e isso fez toda a diferença em sua auto-estima. O Dendê começou a se organizar e atrair público para sua quadra e novos compositores.
Assim para o carnaval de 2011 chegaram ritmistas da União da Ilha para concorrer na escola. Jovens com toda disposição que a idade trás, como os gêmeos Mauricio e Marcelo, o chefe da segurança da União Carlos Mistura mais Fabrício, Kinho PQD, Marcelo WG e a parceria deles mudou a história das disputas de samba do Acadêmicos do Dendê.
Com samba de fácil assimilação e grande torcida eles entraram atropelando na disputa do carnaval 2011. Mesmo com uma parceria com nomes fortes como o meu, Cadinho, Gilberto Lua, Carlinhos Fuzil, Bruno, Gugu das Candongas, Pedro Migão e Marquinhus do Banjo nós não conseguimos acompanhar o ritmo – e fomos derrotados por eles.
Aí veio nossa terceira mudança radical na parceria. Assim como em 2003 quando entraram Gilberto Lua, Maneco e Decicka Jonnes e 2007 quando entraram Walkir, Barbieri, Bruno Revelação e Pedro Migão.
Gilberto Lua decidiu não fazer samba então resolvemos que era hora de misturar experiência e juventude. Com vitórias no Dendê ficamos Cadinho, eu, Migão e Fuzil e a nós se juntaram Lobo Junior, Neco do Banjo, Birazão e Violinha. Desses apenas o Neco disputava sambas na escola, todos os demais eram estreantes.
Era o vigor, o frescor que precisávamos e a disputa desse ano foi épica.
O enredo sobre a União da Ilha, a parceria campeã do ano passado toda da Ilha e recebendo forte apoio da agremiação. As duas parcerias tomaram conta da disputa. A quadra toda semana lotada com pelo menos metade dos integrantes pertencendo à torcida de um dos dois sambas. Cada semana uma das parcerias levava novidades e surpreendia a outra. Teve de tudo na disputa: fogos, cascatas, apagar de luz da quadra, show de luzes, mega bandeiras.. A disputa inflacionou, ficando bem mais cara do que nos meus primeiros anos até 2010. A coisa que sempre foi séria lá virou seríssima esse ano – ninguém queria perder.     
E chegou a final em 11 de novembro de 2011, uma sexta feira. Quadra com maior público de sua história, convidados importantes de todos os lados. Laíla diretor de carnaval da Beija-Flor levando dois ônibus com os segmentos da agremiação. O Dendê que surgiu de forma meteórica nos anos 90 e quase morreu na virada do século mostrava que era uma nova escola. Jovem e tradicional, profissional e romântica, humilde e grande.
E principalmente, mostrava que não precisava de tráfico de drogas pra existir e se fazer notar.
A final com três sambas foi grandiosa. Parceria do compositor Dudu Valente com um belo samba e as duas parcerias que guerrearam com fair play e amizade durante toda a disputa mostravam toda sua força. Nós com a força de nossa torcida que cantou todo o samba e a beleza de nossa obra. Eles com explosão de seus refrões e o reforço de Ito Melodia e Marquinhus do Banjo no palco [N.do.E.: em português claro: a parceria adversária “apelou”].
No fim deu empate. Juntaram nosso samba com o samba deles.
Assim o dono do blog tornou-se pela quarta vez campeão da agremiação e eu que comecei com aquele samba ruim que foi eliminado de primeira com cantor bêbado cheguei a minha sexta vitória me juntando a Gilberto Lua e Cadinho da Ilha como o maior vencedor da história da escola de samba.
E pelos nomes que citei que enfrentamos nesses anos todos dá pra notar que não foi fácil chegar a isso, deu muito mais sabor.
No Dendê consegui também a marca expressiva de doze finais seguidas de samba-enredo, estive com samba em todas as finais de samba da escola no século e o Dendê é a escola que mais compus (catorze sambas) e mais venci até hoje (seis), marca que foi por onze anos do Boi da Ilha.
Tenho muito orgulho de minha história no Acadêmicos do Dendê, tudo que consegui na escola e de pertencer a sua ala de compositores. Já que coloquei a letra do primeiro samba também colocarei do mais recente, o que a escola desfilará em 2012, já com fusão.
(Lobo Jr/ Bruno Revelação/ Neco do Banjo/ Carlinhos Fuzil/ Birazão/ Aloisio Villar/ Cadinho da Ilha/ Pedro Migão/ Kinho PQD/ Fafa Maumau/ Carlos Mistura/ Marcelo China/ Marcelo WG)
Reflete na imensidão
Traduz a paixão que me faz sonhar
Eu vi no chão batido de um terreiro
Rodas de samba, jogos e banho de mar
Ilha de tantas histórias
Cantada em verso e prosa
Que Natal se encantou
De um sonho de amantes do samba assim fundaram 
A União da Ilha do Governador

Segura marimba, calouro
Minha canção é o meu tesouro
A festa profana é de bar em bar
Meu sorriso não pode chorar

Louco pela Ilha fiquei
Nas asas da minha madrinha voei
Sambistas imortais, antigos carnavais
Velhos tempos que não voltam mais
Na voz do mestre Aroldo Melodia
Suor, amor e fantasia
A simpatia coloriu meu coração
Cantei, brinquei, sonhei que a vida fez um rei
Com muito amor posso dizer sou União

Compra que eu vendo alegria, paga pra ver
Vem cair nessa folia com a Ilha no Dendê
Abrakadabra, pra sorrir não tem idade
Eu vou te dar um porre de felicidade
Lembram quando disse no começo que na madrugada de sexta para sábado descobri porque o Dendê era minha escola como sambista? Porque na espera pelo resultado eu fiquei mais nervoso que aguardando o resultado da União da Ilha. Sim, a escola está no grupo D eu já tinha ganhando cinco sambas lá e fiquei mais nervoso que esperando minha primeira vitória na União da Ilha no grupo especial.
Só sambista pra passar por isso, não pensar em dinheiro ou vaidade de grupo especial e sim no seu samba em um concurso de uma agremiação que aprendeu a gostar e se tornou importante em sua vida.
Uma escola de sambistas que me fez virar um.
A Academia do Dendê
SAMBA EXALTAÇÃO DA ESCOLA
Dendê, amor
Razão, paixão
Coisas do meu coração

Não é morro, montanha nem colina não
Uma cidade no alto que a luz de Deus ilumina
Minha oração, minha prece
Minha vida, meu clima, meu lazer

Porque mudar daqui por que pra quê?
Porque mudar daqui por que pra quê?
Orun Ayé!