Neste domingo, temos mais uma edição da coluna “Orun Ayé”, assinada pelo compositor Aloisio Villar. Hoje temos a segunda parte de sua vitória na disputa de samba da União da Ilha, que começou a ser contada domingo passado.

Em minha opinião, aliás, ele deveria ter ganho sozinho, sem junção a outro samba. Como escrevi em redes sociais no dia da final, a fusão foi mais para atender a interesses da política interna da escola que uma necessidade efetiva de união das composições. Respeito a decisão tomada, mas discordo – entretanto, isto é passado e este é o samba oficial.

O certo é que, ganhando sozinho ou com junção, nosso colunista merece muito esta conquista.
Passemos ao texto.

Era Uva Vez Um Sonho (Parte II – Final)

Como prometi semana passada prossigo hoje com a séria série “Era uma vez um sonho”. Hoje com seu desfecho, embora o Migão tenha estragado a surpresa domingo passado…

Para explicar a disputa de samba para o carnaval de 2012 tenho que voltar no tempo, a abril de 2010. Estava meio desestimulado com samba e o meu parceiro Cadinho ficava no meu ouvido sempre dizendo que um amigo nosso em comum, Jair Turra, queria fazer samba na União da Ilha e tinha outro amigo para investir. Compositor já ouviu essa história de alguém querendo investir inúmeras vezes e quase sempre é “furada”. Eu ouvia e nem ligava. Como naquele abril a Bia, minha namorada da época, viajou à Europa e eu fiquei de bobeira, aceitei ir com os dois ao encontro da pessoa.

Fui apenas pelo passeio, sem empolgação nenhuma. Disputa na Ilha é caríssima, não tínhamos dinheiro, política, nada: era chegar de novo entre os dez melhores e ser eliminado da disputa, como já estava me acostumando.

Chegamos ao apartamento dele. Um apartamento bonito, luxuoso, na orla de Niterói. Comecei a achar que talvez fosse uma boa ter ido lá. Fomos apresentados ao Adriano e ele pediu que falássemos de nossas pretensões. Eu fiquei encarregado disso. Falei, contei nosso currículo, que fizemos final com o Walkir em 2009. Ele gostou e já estava propenso a aceitar entrar na parceria até que o Cadinho deu idéia de ligarmos para o Carlinhos Fuzil.

Fizemos samba no Boi da Ilha com o Fuzil no ano anterior e eu falei que não adiantava ligar pra ele. Fuzil já havia ganhado cinco vezes na União e com certeza já teria parceria montada. Cadinho insistiu e por desencargo de consciência liguei. Resultado: Fuzil não tinha parceria, só um rapaz que havia lhe procurado para fazer samba. Pela regra da escola seis pessoas podiam assinar o samba e com os dois dava seis. Ficamos então de nos encontrar. Cheguei ali com nada, saí de lá com tudo. Tinha a grana com o Adriano e a política com o Fuzil. Já dava para sonhar chegar à final.

Faltava a cereja do bolo ainda… Ela se chamava Roger Linhares.

No nosso encontro com Fuzil e Fabiano Fernandes, o seu parceiro, fechamos o grupo e eu dei a idéia de convidarmos o Roger para cantar o samba. O Roger já tinha uma estrada boa na União, defendeu sambas vencedores, foi cantor da escola e era um ótimo cantor e melodista. Convidei e ele topou. Acabou que ele se envolveu na elaboração do samba e tornou-se parceiro dele – só não assinando porque extrapolava o limite.

Com nós sete somados a Ronaldo Ylê e Bujão nos vocais, Biju e Nelson no cavaco e Wagner Mariano no violão fomos pra disputa:

UNIÃO DA ILHA 2011 
O MISTÉRIO DA VIDA (SAMBA CONCORRENTE)
(CARLINHOS FUZIL, ALOISIO VILLAR, CADINHO, ADRIANO SILVEIRA, FABIANO FERNANDES, JAIR TURRA E ROGER LINHARES)

O sopro de magia
Me põe a bordo a pesquisar
O ventre da mãe natureza
As profundezas do mar
Seres ganham forma, tudo se transforma   
Pra buscar a terra, o ar
Arvoredo que o fruto germina
A vida em seu despertar
Somos uma obra em construção
Oh sublime inspiração

E a vida é bonita
Mistérios eu vou desvendar
O segredo descubro um dia
Quem viver verá

E nas viagens que faço
A cada passo que dou
No esplendor da natureza
Vejo brotar o amor
Na beleza da fauna e da flora
Esperança no amanhã que vai nascer
É preciso que o homem busque sua evolução
Nesse momento de graça
Um brinde a nossa união

Chegou a Ilha
É hoje o dia da alegria
Celebrando o show da vida (lá vou eu)
O rei mandou cair na folia

Durante a disputa ganhamos apoio financeiro do nosso amigo Marcelo Cossito e tivemos o renomado cantor Wander Pires para nos ajudar a defender o samba na quadra. Eu nem queria botar samba e acabei com minha parceria chegando à final. Minha primeira final no Grupo Especial. Chegamos com um samba bonito, forte e não vencemos por detalhes.

Era o começo da caminhada.

Um ano se passou e a parceria teve poucas mudanças, mantendo sua espinha dorsal. Adriano desistiu do samba-enredo e Jair Turra foi para outra parceria. Chegou para compor Jorginho, campeão da escola em 2007 e a parceria fechou em nós seis: eu, Fuzil, Cadinho, Roger, Fabiano e Jorginho. Entretanto, o drama era que a escola diminuiu de seis para cinco os compositores que poderiam assinar o samba. Começamos o processo de disputa sem definir quem ficaria de fora e foi assim até o dia da gravação. Gravamos e depois numa reunião tensa e triste o Jorginho decidiu que viria sem assinar, em uma atitude de hombridade.

Foi uma criação de samba tensa também, onde mudamos várias vezes a letra. O renomado compositor e cantor insulano Mauricio 100 viria conosco, mas por questões pessoais não veio. Ele já tinha feito uma letra e essa já tinha melodia antes mesmo da entrega da sinopse. Com ela nas mãos vimos que tinha nada a ver com o samba, aí já foi a primeira mudança – primeira de muitas.

Em uma dessas reuniões o Roger veio com idéia de “molho inglês na feijoada /chá com cachaça”. Achamos aquilo estranho, eu não gostei, mas ele insistiu muito e topamos. Demorou muito para eu gostar daquilo. O carnavalesco Alex de Souza também estranhou quando viu. Disse que não estava errado, mas era por nossa conta e risco. Decidimos manter e depois de algumas reuniões com ele a letra do samba foi aprovada.

No dia 7 de agosto de 2011 iniciou-se a disputa da União da Ilha pro carnaval 2012, na quadra da Associação Atlética Portuguesa devido a obras na quadra da escola. Saíram Ronaldo Yllê e Bujão dos vocais e entrou Flávio Martins, saiu Wagner Mariano e entrou Odilon no violão, Nelson saiu por um tempo do cavaco entrando Gabriel Fraga, mas depois voltou e assim fomos para a disputa.

UNIÃO DA ILHA 2012
DE LONDRES AO RIO..ERA UMA VEZ UMA ILHA (SAMBA CONCORRENTE)
(CARLINHOS FUZIL, FABIANO FERNANDES, ALOISIO VILLAR, CADINHO, ROGER LINHARES E JORGINHO)

Era uma vez uma Ilha
Um bravo império que o tempo formou
Com sua lança, fé e esperança
Por terras cruzou
Sou mago e rei, corações roubei 
O mar conquistei e fui mais além
Lá vem o trem ao som do big bem
Olha bicho paz e amor suingou
Batuquei meu samba com rock`n roll
A bola rolou, é gol
Teatro, cinema, a arte a brilhar
“Deus salve a rainha” das ilhas de lá

Vou botar molho inglês na feijoada
Misturar chá com cachaça
Na avenida sou rei, um sonhador
Meu reino é a Ilha do Governador

Amor cheguei, desembarquei
Na terra da folia
De azul, vermelho e branco
Vesti meu manto e caí na folia
Salve meu padroeiro de fé
Abençoe o mundo inteiro
Nos jogos da paz, a chama brilhou
Não há fogo que apague esse amor

A hora é essa, a festa já começou
Essa cidade é um show, maravilhosa e feliz
Essa é o Rio que eu sempre quis


Perdemos o suporte financeiro do Adriano, mas Marcelo Cossito não nos deixou faltar nada. Tivemos dinheiro e principalmente um samba muito forte que ficou mais forte ainda com a entrada de Quinho do Salgueiro. Ele, que foi tema de uma coluna minha no dia que começou a defender nosso samba. A composição foi conquistando a quadra, as pessoas na internet e ganhando ares de favorito. Isso fez com que ele começasse a receber bombardeios, como falarem que a letra estava errada. Uma briga acirrada com a parceria tricampeã começou, briga sadia na quadra e nos bastidores. A União da Ilha se dividia entre os dois sambas.

Um considerado mais “enredado”, o outro mais alegre, com “a cara” da agremiação.

E eu ficando tenso vendo que aquele sonho de anos estava palpável. A parceria tensa pela disputa difícil. O samba cada vez mais dava show na quadra e enquanto ele esquentava a Portuguesa os bastidores ferviam. Até que faltando duas semanas para a grande final surgiu o papo de junção e uma junção entre nosso samba e o deles. O papo aumentava cada vez mais e isso aumentava a tensão. Não aceitava mais perder a disputa, não passava pela minha cabeça perder de novo, não podia perder com aquele samba

Queria ganhar, mesmo que fosse empatado.

A última semana foi tensa demais. Dificuldade para dormir devido a ‘disse me disse’, fofocas. A parceria discutia, brigava, ficava sem se falar. Problemas ocorriam e faziam a gente pensar que ficaria de fora da junção que já era anunciada a torto e a direito pelo presidente da escola. Só não dizendo de quem com quem. [N.do.E.: agora eu posso falar: a letra da junção aterrisou no meu e-mail de forma misteriosa na terça feira antes da final. Exatamente a que se tornaria definitiva. Obviamente, não foi o colunista quem me enviou]

Chegou o dia da final. Dia chuvoso e fui entrevistado na quadra, com a imprensa dizendo que o presidente tornara oficial que teria uma junção [N.do.E.: em “O Globo Ilha” daquele dia o Presidente anunciara formalmente a fusão]. Todos os caminhos levavam para uma junção nossa com a composição da parceria tricampeã. Seria minha primeira vitória na União da Ilha.

Mas mesmo assim só acreditaria no anúncio.

Fizemos uma apresentação unânime, magistral, inesquecível, para não deixar dúvidas da força de nossa parceria e de nosso samba. Demorou alguns minutos e o presidente da escola começou a falar [N.do.E.: ouvi a final pelo rádio e este discurso foi uma das coisas mais bizarras que ouvi em uma escola de samba nos últimos tempos. Que fique claro que é minha opinião, não a do colunista]. Um filme passava pela minha cabeça enquanto ele falava.

Lembrei do menino Aloisio com oito anos de idade virando União da Ilha numa apuração. De todos os anos que via seus desfiles sozinho na frente da TV emocionado e cantado o samba, seja aqui no Rio ou no interior do Mato Grosso. Lembrei de mim entrando tímido na escola para pegar minha primeira sinopse, das quedas em primeiras eliminatórias no início, de tudo que passei para chegar ali.

Todos os sonhos com aquele momento, com aquele anúncio, de tantas vezes que imaginei aquele instante e como seria minha reação. O meu maior sonho no samba, um dos maiores da minha vida a poucos instantes de ser anunciado. O microfone já estava com o Ito Melodia, intérprete oficial da escola, para cantar a junção (no alto do post).

E ele começou pela primeira parte do samba, que era a parte deles como já previa. Imaginava que nossa parte viria no refrão do meio.

Nunca vi uma primeira parte demorar tanto pra ser cantada. Fechei os olhos com pessoas me abraçando e querendo que chegasse logo o refrão do meio. Vinte e seis anos de vida passando aqueles versos de forma acelerada e lenta ao mesmo tempo e eu pensava: “Cadê, meu Deus?? Cadê o molho inglês na feijoada?? Vem logo pelo amor de Deus!!”

Sentia a presença da minha mãe comigo ali e isso me fazia forte. Ter a certeza da presença daquela mulher que catou chorando minhas bandeiras na minha primeira derrota em samba quatorze anos antes. Aquela com quem eu sonhei na noite anterior e no sonho ela me abraçava e dava parabéns pela junção e que tinha orgulho de mim.

A primeira parte do samba ia acabando, ia entrar o refrão e ali teria certeza se o sonho se realizaria ou não, até que…

…VOU BOTAR MOLHO INGLÊS NA FEIJOADA, MISTURAR CHÁ COM CACHAÇA!!

O Ito cantou!! Cantou o molho inglês na feijoada. Um choro compulsivo tomou conta de mim, as pessoas se jogavam chorando por cima. Um sonho se realizava naquele momento e dizem que quando um sonho se realiza Deus sorri no céu. O sonho de uma vida.

Eu era campeão da União da Ilha do Governador, para sempre campeão da União da Ilha do Governador, uma das maiores escolas de samba do planeta e como sempre sonhei, com samba sendo consagrado na quadra e pela imprensa. Foram apenas cinco versos do nosso samba, mas a cada verso caía uma lágrima de felicidade. Cinco versos fortes, que representavam o nosso samba e que hoje fazem toda a diferença no samba oficial da escola.

Voltei a subir ao palco da União da Ilha: dessa vez não fui barrado por segurança, fui puxado pela Harmonia. Subi ao palco campeão da escola como havia prometido quatorze anos antes. Subi para festejar a minha vitória e tenho certeza que minha mãe subiu junto chorando que nem o filho bobo dela.

Nunca entrei para o Colégio Militar, o Flamengo continua perdendo pra times pequenos, não me adaptei ao aparelho dentário e continuo dentuço e continuo perdendo mulheres que amo para amigos. Mas também continuo completamente apaixonado pela União da Ilha do Governador e sei que hoje aquele menino de oito anos tem orgulho do menino de trinta e cinco.

Era uma vez um sonho realizado…

UNIÃO DA ILHA 2012
DE LONDRES AO RIO..ERA UMA VEZ UMA ILHA (SAMBA OFICIAL)
 

(ALAN DAS CANDONGAS, ALBERTO VARJÃO, ALOISIO VILLAR, CADINHO, CARLINHOS FUZIL, EDU COTRIM, FABIANO FERNANDES, MARCIO ANDRÉ FILHO, MARQUINHUS DO BANJO E ROGER LINHARES)
 
Uma história vou contar
Tem lendas, mitos e magia
Era uma Ilha onde um povo valente vivia
E um grande império conquistou
Virou cidade das realezas
Um “reino unido” e seus heróis
Peguem as armas diz a voz
De um santo guerreiro
Os bravos vão lutar, cruzar fronteiras
Com sua fé estampada na bandeira

Vou botar molho inglês na feijoada
Misturar chá com cachaça
Ser ou não ser, eis a questão
Tem choro e riso nesse palco de ilusão

Vão conquistar o mar e grandes tesouros 
Guiados pelos olhos da ciência
Lindos contos vão brotar
A luz do cinema é a arte a brilhar
Olha bicho paz e amor suingou
Batuquei meu samba com rock`n roll
Na minha terra tem o reino da folia
Futebol que contagia, é gol
É a vitória, um momento divinal
Acendo a chama pela paz universal

A minha Ilha é ouro, é prata
Tem o bronze da mulata
Canta meu Rio em verso e prosa
Com a cidade ainda mais maravilhosa

“E nesse momento componho junto com meus parceiros nosso samba pra disputa de 2012 pra quem sabe um dia alguém escrever a história do samba da Ilha do Governador e meu nome acompanhar esses imortais. Será que eu serei o dono dessa festa? O meu destino será como Deus quiser.” (Coluna pro Ouro de Tolo “ Uma Ilha cercada de samba”)

 “Onze anos quase se passaram, muitas coisas ocorreram, mas parece que foi ontem. Relembro essa vitória, essa odisséia de 2001 nesse momento que começo a busca do último sonho que me falta no samba. A conquista da União da Ilha do Governador. Que os bons fluídos de “Orun Aye” nos soprem para De Londres ao Rio, era uma vez uma Ilha”  (Coluna pro Ouro de Tolo “Vai começar de novo..2001 uma Odisséia na Sapucaí”)

É… deu certo.

Orun Ayé!