Rafael Lopes, jornalista especializado em automobilismo desde 2004, carioca. Trabalha no portal Globoesporte.com., onde também tem o blog “Voando Baixo” sobre esporte a motor. Fomos apresentados por um amigo em comum, o jornalista Fred Sabino – entrevistado anteriormente.

Rafael Lopes é o entrevistado de hoje da coluna “Jogo Misto”.
1) Como Rafael Lopes se tornou jornalista especialista em automobilismo?
RL – Bem, vamos lá…

Bem, tudo começou no fim da década de 1980, ainda muito novo, quando comecei a acompanhar as corridas de Fórmula 1 por influência de minha mãe. Acabei me apaixonando pelo esporte. Como não tive grana para correr e sempre gostei de escrever, acabei decidindo fazer jornalismo.

Nunca pensei em fazer outra coisa que não fosse esporte, mas não esperava conseguir trabalhar com automobilismo tão cedo. Quando comecei no Lance!, mais precisamente na Revista A+, sempre tentei fazer matérias do tema, mas escrevi também sobre futebol e outros esportes.

E por causa de uma delas acabei conseguindo um emprego no GLOBOESPORTE.COM, onde passei a fazer motor quase 100% do tempo. O tema da reportagem: um enorme perfil de Bruno Senna, quando ele sequer tinha vencido corridas ainda (isso foi no início de 2006).

2) E que conselho daria a quem deseja se tornar jornalista esportivo?
RL – Não é uma das carreiras mais fáceis, sem dúvidas.

Além de saber escrever, o que deveria ser um pré-requisito natural, você precisa ser apaixonado por isso. Abrir mão de fins de semana, de estar ao lado das pessoas que você gosta em datas e/ou momentos importantes. Os principais eventos são no fim de semana. A profissão é quase como um casamento: você divide boa parte de sua vida com ela.

3) Qual a avaliação que você faz do automobilismo nacional hoje?
RL – Acho que é uma situação complicada. Vemos muita bagunça, muita coisa errada.

Temos boas categorias, mas o extra-pista acaba estragando boa parte disso. Um problema grave é a formação de pilotos de monopostos, que nos representariam no futuro na Fórmula 1. Só temos a Fórmula Futuro e a Fórmula 3 Sul-Americana. Talvez se o Massa tivesse sido campeão em 2008 o quadro fosse diferente.

Mas também acho que boa parte do público só gosta de ver brasileiro ganhando. Se não ganham, eles não prestam. O que não é verdade, muito longe disso. Muita coisa precisa mudar aqui.

4) E sobre a Fórmula 1 atual?

RL – Acho que estamos diante de uma das melhores safras de pilotos da história: Sebastian Vettel, Lewis Hamilton, Fernando Alonso, Jenson Button…

As disputas têm sido muito emocionantes. Em compensação, o regulamento muda demais, dificulta o entendimento do torcedor. Outro problema é o abandono de praças tradicionais, como a França, para a chegada de países sem tradição, como Bahrein e Emirados Árabes. Grana é importante, mas a categoria não pode virar as costas para sua tradição.

5) Você considera válidos os artifícios de regulamento utilizados este ano para elevar o número de ultrapassagens? Por quê?
RL – Olha, vou ser sincero…

Antes da temporada, achava que isso tudo era muito artificial, que contrariava a essência da categoria. Mas as corridas trataram de provar que eu estava errado. A asa móvel, a volta do Kers e os pneus menos resistentes tornaram as corridas movimentadas.

Se isso é artificial ou não, para mim não importa. O importante é o público… E ele está gostando bastante.

6) Qual seu prognóstico para a temporada deste ano?
RL – Não tem muito mistério. Vai dar Sebastian Vettel com sobras.

O alemão dominou a temporada desde o início e não vai dar mole neste fim de ano. Fico feliz de ver a evolução dele, o processo de amadurecimento. Ele deu o passo seguinte após o brilho inicial. É um piloto excepcional, que ainda vai fazer história na categoria.

A briga pelo vice? Para mim, dá Fernando Alonso. A experiência e a esperteza do espanhol farão diferença. Mas vale destaque a temporada de Jenson Button, que tem andado muito bem, principalmente nas provas mais tumultuadas e difíceis.

7) E a nova chance para Bruno Senna na Fórmula 1?
RL – Torço realmente para que ele aproveite. Acho que ele sofre bastante preconceito no Brasil por causa do sobrenome.

Ele ficou um bom tempo parado por causa da morte do tio e, apesar de não ter feito kart por muito tempo, tem um talento excepcional. Não sei se ele terá chances de ser campeão do mundo, mas, sem dúvidas, tem condições de fazer um bom papel na Fórmula 1. Agora é se tranquilizar para aproveitar a chance na Renault.

8) A indicativa é de que Felipe Massa não permaneça na Ferrari após a temporada de 2012. Qual seria a melhor opção possível para ele? Por quê?
RL – Tudo vai depender do que ele fará no fim de 2011 e em 2012.

Massa precisa de algo para voltar a ser aquele piloto de 2008, que quase foi campeão – perdeu por detalhes. Infelizmente, a concorrência com Fernando Alonso é complicada. O espanhol é o melhor piloto da Fórmula 1 atual e um mestre na política interna na equipe. Se ele sair da Ferrari, na situação atual, uma vaga em uma equipe média seria o mais plausível.

9) Emerson, Piquet e Senna. Qual sua avaliação sobre nossos pilotos campeões do mundo?

RL – Emerson, sem dúvidas, é o pioneiro. Se não fosse ele, provavelmente estaríamos cobrindo futebol ou trabalhando em outra área do automobilismo. Como piloto, um gênio, sem dúvidas. Tinha um estilo muito limpo de pilotagem, bastante inteligente. É um daqueles caras que vale a pena conhecer pessoalmente e ouvir suas histórias.
Nelson Piquet talvez tenha sido o melhor acertador e desenvolvedor de carros da história da categoria. Ele era muito rápido, mas sabia ser conservador nos momentos corretos. Mestre em se impor em condições adversas, como quando boa parte da equipe torce e apoia o companheiro – lembram de Mansell em 1987? Com personalidade forte, não tem medo de falar o que pensa. E isso é uma grande virtude nos dias de hoje.
Ayrton Senna, para mim, é o melhor piloto da história da Fórmula 1. Gênio nos treinos classificatórios, fazia poles como ninguém. Infelizmente teve sua carreira abreviada por aquele acidente na Tamburello. Se isso não tivesse acontecido, sabe-se lá o que ele poderia ter ganhado. Foi protagonista de várias corridas que, até hoje, entraram para os anais da categoria. O maior dos gênios, na minha opinião.
10) E sobre os principais pilotos da Fórmula 1 atual?
RL – Como já disse, a safra da Fórmula 1 atual é muito boa. Alonso é gênio, Vettel está chegando lá. Hamilton é um pouco desequilibrado emocionalmente, mas tem talento. Button é um cara mais frio, calculista. Essa variedade é bem legal.

Falta só Massa melhorar seu desempenho para entrar de alguma forma nesta briga.

11) Por que a categoria depende a cada dia mais dos “pilotos pagantes”? Por quê?
RL – Não vejo problemas em um bom piloto trazer patrocinadores. Isso é natural e acho que a maioria dos casos acaba esbarrando nisso.

O problema é quando o cidadão não tem talento e insiste em pagar para correr na Fórmula 1. Isto é negativo. Felizmente, os casos são poucos neste momento. Mas é uma realidade imposta pela situação financeira mundial. É um retrato disso.

12) O Brasil vive uma clara entressafra de pilotos. Por quê? Há algum nome que possa chegar à F-1 e ser bem sucedido ?

RL – Não sei se já estamos na entressafra, já que temos três representantes na Fórmula 1 atual. Mas a longo prazo a situação não é boa, sem dúvidas.

Acho que os próximos candidatos a chegar lá são Felipe Nasr, campeão da Fórmula 3 Inglesa com seis corridas de antecipação, e Cesar Ramos, que ganhou a F-3 Italiana em 2010. Temos alguns kartistas como o Felipe Fraga, mas só.

Precisamos de mais categorias de base para mudar esta situação.

13) Quais os motivos desta entressafra?

RL – Acho que a falta de categorias de base.

Temos apenas a Fórmula Futuro, iniciativa do Felipe Massa, e a já incipiente Fórmula 3 Sul-Americana. Se tivermos mais categorias de monopostos, a situação tende a melhorar.

Ah, a falta de empresas dispostas a apoiar jovens talentos, com a política de só investir no que daria um retorno certo, também atrapalha. E, claro, a bagunça da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), que precisa fomentar a base – o que ela não faz hoje.

14) Qual sua avaliação sobre o desempenho de Nelsinho Piquet na Nascar?

RL – Estive nos Estados Unidos em abril e acompanhei um fim de semana da Nascar em Martinsville. O desempenho dele pode melhorar, é claro, mas é natural esta fase mais longa de adaptação.

Nelsinho é um piloto formado nos monopostos e os carros da Nascar são completamente diferentes, enormes e muito pesados. Acho que a escolha de carreira dele foi acertada: os americanos têm dado destaque para os brasileiros na Truck Series e o sobrenome famoso também ajuda muito.

15) Qual o melhor piloto que viu correr? Por quê?
RL – Sem dúvidas, Ayrton Senna.

Era aquele tipo de piloto que, quando tudo estava perdido, tirava algo de algum lugar que ninguém imaginava. Um mago das voltas rápidas em treinos classificatórios. O Mr. Pole Position.

Nas corridas também era espetacular. Quem não lembra de Brasil-1991 ou Donington-1993? Cresci acompanhando a carreira dele. Para mim, sem dúvidas, o melhor de todos.

16) Qual sua avaliação sobre a Stock Car? 
RL – Gosto da categoria, acompanhei por alguns anos na cobertura corrida a corrida. Algumas coisas atrapalham, como as mudanças de regulamento e de resultados.

Mas a qualidade de pilotos e equipes é notória. Tanto que Jacques Villeneuve, campeão da Fórmula 1 em 1997, elogiou muito a categoria. Acho que algumas mudanças no projeto do carro poderiam ser feitas para aumentar a segurança, principalmente na categoria de acesso – a Copa Montana.

17) Como é feita a cobertura de um evento automobilístico? Há muitas diferenças entre categorias e também se está “ao vivo” ou na redação?
RL – Estar no local muda tudo.

Fazer pela TV dá trabalho, mas você fica preso, sem poder apurar várias informações. No local você pode correr atrás de coisas diferentes, observar, entrevistar. O paraíso do repórter, em suma. Fazendo à distância, isso se perde.

Entre categorias, trabalhar com Fórmula 1 é mais fácil. A categoria é notícia por si só. Nas outras, você precisa de pautas mais chamativas, mais gerais. E isso dá um bom trabalho. Ótimo, por sinal.

18) Qual sua opinião sobre o futuro do automobilismo brasileiro?
RL – Falta incentivo, principalmente nos monopostos.

Fiquei feliz de ver que duas empresas brasileiras investiram no Bruno Senna na Renault. É um alento, mas o automobilismo nacional hoje vive de iniciativas individuais e abnegadas. Ter a Fórmula Futuro e a F-3 Sul-Americana é muito pouco. Precisamos de mais.

O kart precisa ter seu valor reduzido. Os incentivos financeiros são muito necessários.

19) Um GP inesquecível. Por quê?

RL – O GP do Brasil de 1991, claro.

Uma das corridas mais emocionantes e dramáticas que já vi. Aquele fim de prova, com a McLaren de Senna apenas com a sexta marcha (por mais que alguns digam o contrário, realmente acredito nessa história), foi angustiante.

No fim, a primeira vitória dele no Brasil. É daquelas corridas que você guarda todos os detalhes na cabeça.

20) Uma cobertura inesquecível. Por quê?

RL – Ah, o GP de Abu Dhabi no ano passado (acima).

Foi minha primeira cobertura de Fórmula 1 no exterior. Apesar de alguns perrengues, como problemas de internet, valeu por cada minuto. Vi Vettel cruzar a linha de chegada na mureta dos boxes, vi o pódio, vi Alonso ser vaiado pelas equipes e Petrov ser aplaudido. Emoção e trabalho.

Fico arrepiado até hoje de lembrar daquela experiência.

21) Uma canção inesquecível. Por quê?

RL – “Detalhes”, do Rei Roberto Carlos. Sou um grande fã dele, e acho esta música linda… Uma verdadeira poesia.

23) Livro ou filme. Por quê?

RL – Sem querer ficar em cima do muro, os dois.

Acho que cada um se adapta melhor ao que você quer no momento. Sou apaixonado por livros, mas o filme é importante para aquele momento que você quer apenas ser espectador. O livro é mais interativo, você interpreta o texto. E isso dá muito trabalho.

24) Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, algumas palavras sobre o blog ou seu autor/editor
RL – Bons textos, interessantes e sobre temas variados.

Conheço o blog há pouco tempo, mas ele já ganhou um leitor assíduo. E acho que isso diz muito sobre o Pedro, que cuida com muito carinho dele. Obrigado pela oportunidade e que o Ouro de Tolo ainda passe por muitos Carnavais.