Nesta quarta feira, véspera de feriado, mais uma edição da coluna “História & Outros Assuntos”, escrita pelo Mestre em História Fabrício Gomes. O assunto de hoje é a eleição de Merval Pereira para a Academia Brasileira de Letras.

Eleição esta da qual discordo fortemente. Merval é um proto-jornalista que reproduz em sua coluna em um jornal carioca opiniões reacionárias, elitistas, demófobas e que resvalam no preconceito. Além de ter utilizado tal espaço para fazer política, muitas vezes torcendo os fatos para chegar a conclusões pré-estabelecidas e a serviço de interesses eleitorais.

Além disso, seu único livro comete a suprema falta de respeito de colocar uma tarja sobre o rosto do ex-Presidente Lula em sua capa. Goste-se ou não, é um presidente da república e a ele se deve um mínimo de respeito – e diria o mesmo se o livro fosse sobre Fernando Henrique, a quem pessoalmente detesto. A meu ver ele se elegeu muito mais pela fama de “proto-ideólogo” das elites que pelos seus escritos de jornalista.

Este é o novo imortal. Machado de Assis deve estar dando cambalhotas no túmulo.

Enquanto isso, verdadeiros imortais como o poeta Mário Quintana jamais foram agraciados com a honraria. Sobre este episódio o gigante poeta gaúcho dedicaria um de seus versos mais famosos:

Poeminha do Contra

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”

Bom, vamos à coluna, muito bem escrita e que sem dúvida alguma traz outros bons argumentos para se entender esta verdadeira aberração.

Já Não se Fazem Mais Imortais como Antigamente

A notícia da eleição do jornalista Merval Pereira para ocupar a cadeira de número 31 da Academia Brasileira de Letras (ABL) – antes pertencente ao escritor Moacir Scliar – é motivo de polêmica no meio acadêmico e partidário.

Polêmicas assim como costumam ser as colunas assinadas em O Globo pelo referido jornalista – que também já foi chefe de redação da revista Veja. Sem contar com o fato de que uma eleição sempre que pareça ser unanimidade na maioria das vezes não o é, sempre suscitando críticas e discussões – muitas acaloradas – sobre o resultado final.

A ABL é uma instituição mais do que centenária. Foi fundada em 20 de julho de 1897, tendo como patrono o escritor Machado de Assis. Conta atualmente com 40 membros efetivos e perpétuos, seguindo o modelo da Academia Francesa. Mas não é qualquer um que pode se candidatar: segundo seu estatuto, é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário. 

A eleição de Merval Pereira traz à tona um questionamento: quantos livros publicou o jornalista? Segundo consta, Merval publicou em setembro do ano passado, o livro “O Lulismo no Poder”, onde reúne vários artigos publicados por ele em O Globo, de 2003 a 2010, especialmente sobre o ex-presidente Lula e o fenômeno do Lulismo. Fora isso, Merval não publicou nenhum outro livro.

Eu me sinto à vontade para falar sobre esse tema, já que diariamente leio suas colunas em O Globo e acompanho seu trabalho como jornalista há pelo menos 15 anos. Fui ao lançamento de seu livro, no ano passado, numa cerimônia realizada na própria ABL (seria esse um indício da eleição que viria depois?) e o acho uma pessoa inteligente e bem articulada.

Sobre concordar ou não com o que ele escreve, este já é outro papo. Mas acho que para concordar ou discordar de uma idéia é necessário saber sobre essa idéia, ler várias coisas sobre ela e discutir bastante, para depois sim, criticá-la. Infelizmente o mundo está cheio de radicais (extremistas, fundamentalistas, talibãs), seja de esquerda ou de direita, que procuram criticar exasperadamente uma idéia quando, na verdade nem leram sobre ela.

E com isso, sou obrigado a questionar bastante a eleição de Merval Pereira, não pelo conteúdo das idéias desse jornalista, mas sim pelo histórico de sua obra literária – que se resume a apenas um livro. Um jogador de futebol, para ser convocado a defender a seleção de seu país, não pode ser convocado apenas pelo que faz num jogo, mesmo que tenha jogado muito bem, sido o craque da partida e feito vários gols. Convoca-se pelo trabalho que ele desenvolve ao longo de algum período. Em uma entrevista de emprego, o currículo de um candidato é avaliado pelos trabalhos desenvolvidos por ele. Então, mesmo achando um Merval um bom jornalista, não concordo com sua eleição e consequentemente, com sua imortalidade.

O renomado médico e cirurgião Ivo Pitanguy é outro exemplo. Internacionalmente conhecido, foi eleito em 1990 para ocupar a cadeira número 22 na ABL. O site da ABL mostra uma infinidade de publicações e artigos (científicos) de Pitanguy. Lá constam livros como: “Mamoplastias” (Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1976), “Atlas de cirurgia palpebral” (Rio de Janeiro: Colina/Revinter, 1994) e contribuições em obras coletivas como, por exemplo, “Tratamento das Fissuras Lábio-palatinas ”(orgs. S. Lessa e S. Carreirão). Rio de Janeiro: Interamericana, 1981. Não seria o caso do Dr. Ivo Pitanguy pertencer apenas a Academia Literária dos Médicos (não sei se essa instituição existe)? Sua “literatura” é bastante especializada, inclusive seus livros são raros e devem custar muito caro, estando distantes financeiramente de 99% da população brasileira.
Ocupante da cadeira número 39, o ex-vice presidente da Republica Marco Maciel foi eleito para a ABL em 2003, logo após deixar o governo de Fernando Henrique Cardoso. Marco Maciel também notabilizou-se por uma carreira que não esteve atrelada às Letras. Segundo o site da Academia, Marco Maciel publicou oito livros, todos atrelados às Idéias Políticas. Não consta no site, entretanto, quantos livros foram publicados antes de sua posse.
Voltando mais na linha do tempo, temos o exemplo do jornalista Assis Chateaubriand, quese tornou magnata das comunicações no Brasil, entre os anos 1920 e 1960, e ocupou a cadeira número 37. Ele foi eleito em 1954, após o suicídio de Getulio Vargas (outro imortal da ABL, eleito em 1941, durante o Estado Novo, e tendo publicado apenas uma obra “A Nova Política do Brasil – discursos reunidos”, não sabemos se publicado antes de sua posse) – lembrando que sua eleição se deu no auge de seu poder de influência na mídia brasileira.

Vamos às obras literárias publicadas por “Chatô”? Segundo o site da Academia, “a maior parte da obra do diretor dos Diários Associados, encontra-se dispersa em seus artigos para a imprensa. Em livros contribuiu com os seguintes trabalhos: Em defesa de Oliveira Lima; Terra desumana; Um professor de energia – Pedro Lessa e Alemanha (impressões de viagem)”. E ponto final.

Há diversos outros exemplos bastante questionáveis de imortalidades literarias, que se eu fosse escrever aqui, ficaria 100 anos analisando suas biografias e bibliografias. Mas é realmente surpreendente que “escritores” como esses supracitados estejam no mesmo rol de Nélida Piñon, do embaixador, diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva, do cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, de Ariano Suassuna, de João Ubaldo Ribeiro – só para lembrar dos atuais imortais, ainda vivos e ocupantes de cadeiras na Academia, porque se fôssemos comparar com os imortais do passado, aí seria complicado.

Fica então a dúvida: já não se fazem mais imortais como antigamente ou a política se sobrepõe sobre o rigor acadêmico? Ou as duas coisas juntas?”

(Na ordem das fotos, Merval, Getúlio, Pitanguy, Chateaubriand e Sarney)