Eleição esta da qual discordo fortemente. Merval é um proto-jornalista que reproduz em sua coluna em um jornal carioca opiniões reacionárias, elitistas, demófobas e que resvalam no preconceito. Além de ter utilizado tal espaço para fazer política, muitas vezes torcendo os fatos para chegar a conclusões pré-estabelecidas e a serviço de interesses eleitorais.
Além disso, seu único livro comete a suprema falta de respeito de colocar uma tarja sobre o rosto do ex-Presidente Lula em sua capa. Goste-se ou não, é um presidente da república e a ele se deve um mínimo de respeito – e diria o mesmo se o livro fosse sobre Fernando Henrique, a quem pessoalmente detesto. A meu ver ele se elegeu muito mais pela fama de “proto-ideólogo” das elites que pelos seus escritos de jornalista.
Este é o novo imortal. Machado de Assis deve estar dando cambalhotas no túmulo.
Enquanto isso, verdadeiros imortais como o poeta Mário Quintana jamais foram agraciados com a honraria. Sobre este episódio o gigante poeta gaúcho dedicaria um de seus versos mais famosos:
“Poeminha do Contra
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”
Já Não se Fazem Mais Imortais como Antigamente
A notícia da eleição do jornalista Merval Pereira para ocupar a cadeira de número 31 da Academia Brasileira de Letras (ABL) – antes pertencente ao escritor Moacir Scliar – é motivo de polêmica no meio acadêmico e partidário.
Polêmicas assim como costumam ser as colunas assinadas em O Globo pelo referido jornalista – que também já foi chefe de redação da revista Veja. Sem contar com o fato de que uma eleição sempre que pareça ser unanimidade na maioria das vezes não o é, sempre suscitando críticas e discussões – muitas acaloradas – sobre o resultado final.
A ABL é uma instituição mais do que centenária. Foi fundada em 20 de julho de 1897, tendo como patrono o escritor Machado de Assis. Conta atualmente com 40 membros efetivos e perpétuos, seguindo o modelo da Academia Francesa. Mas não é qualquer um que pode se candidatar: segundo seu estatuto, é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário.
Eu me sinto à vontade para falar sobre esse tema, já que diariamente leio suas colunas em O Globo e acompanho seu trabalho como jornalista há pelo menos 15 anos. Fui ao lançamento de seu livro, no ano passado, numa cerimônia realizada na própria ABL (seria esse um indício da eleição que viria depois?) e o acho uma pessoa inteligente e bem articulada.
Sobre concordar ou não com o que ele escreve, este já é outro papo. Mas acho que para concordar ou discordar de uma idéia é necessário saber sobre essa idéia, ler várias coisas sobre ela e discutir bastante, para depois sim, criticá-la. Infelizmente o mundo está cheio de radicais (extremistas, fundamentalistas, talibãs), seja de esquerda ou de direita, que procuram criticar exasperadamente uma idéia quando, na verdade nem leram sobre ela.
E com isso, sou obrigado a questionar bastante a eleição de Merval Pereira, não pelo conteúdo das idéias desse jornalista, mas sim pelo histórico de sua obra literária – que se resume a apenas um livro. Um jogador de futebol, para ser convocado a defender a seleção de seu país, não pode ser convocado apenas pelo que faz num jogo, mesmo que tenha jogado muito bem, sido o craque da partida e feito vários gols. Convoca-se pelo trabalho que ele desenvolve ao longo de algum período. Em uma entrevista de emprego, o currículo de um candidato é avaliado pelos trabalhos desenvolvidos por ele. Então, mesmo achando um Merval um bom jornalista, não concordo com sua eleição e consequentemente, com sua imortalidade.
Vamos às obras literárias publicadas por “Chatô”? Segundo o site da Academia, “a maior parte da obra do diretor dos Diários Associados, encontra-se dispersa em seus artigos para a imprensa. Em livros contribuiu com os seguintes trabalhos: Em defesa de Oliveira Lima; Terra desumana; Um professor de energia – Pedro Lessa e Alemanha (impressões de viagem)”. E ponto final.
Fica então a dúvida: já não se fazem mais imortais como antigamente ou a política se sobrepõe sobre o rigor acadêmico? Ou as duas coisas juntas?”