Nesta quarta feira, temos mais uma edição da coluna “História e Outros Assuntos”, assinada pelo Mestre em História Fabrício Gomes. O assunto de hoje é a falácia em que consistem estas “campanhas pelo desarmamento” que volta e meia vemos na sociedade e na política.
“Desarmamento? Não, obrigado.
Sim, sei que o título desse post certamente provocará polêmica. Afinal, o momento ainda é de comoção popular em torno da tragédia de Realengo, onde um jovem assassinou doze crianças indefesas, atirando para matar. Mas além da imediata espetacularização da tragédia, o que mais tem chamado a atenção é o renascer de um tema que já tinha ficado para trás em 2005: a questão do desarmamento da sociedade.
Diversas autoridades em Brasília, certamente movidas por interesses ideológicos e partidários, logo fizeram questão de levantar novamente o tema do desarmamento. E não foram apenas políticos. Desde o ministro da Justiça até artistas globais, de repente o universo midiático adornou-se de uma fleuma inconteste: “Está mais do que na hora de desarmarmos a sociedade”. 
Fica então a pergunta: para que serviu o referendo sobre a proibição da comercialização e venda de armas de fogo e munições, ocorrido em outubro de 2005, quando 63,94% dos brasileiros disseram NÃO à seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”? 
Joga-se no lixo agora o resultado daquele referendo popular? E o dinheiro gasto pelo governo na mobilização das urnas eletrônicas? E o dinheiro gasto em cada campanha, pelo SIM e pelo NÃO? Vamos esquecer tudo isso? Democracia é isso então? É aceitar momentaneamente um resultado para, depois, no primeiro episódio de violência, de repercussão nacional, querer virar o jogo e novamente tentar passar uma intenção que já foi derrotada? Vivemos então uma democracia transitória, sujeita a intempéries, reforçadas por apelos que interessam apenas a determinados grupos?
Embora seja um assíduo usuário das redes sociais, como Twitter e Facebook, tenho certas restrições a alguns comportamentos que vejo nessas redes. Nunca Nelson Rodrigues foi tão genial quando disse uma vez que “Toda unanimidade é burra”
Sim, porque as redes sociais, além de servirem de cenário para se fazer “um milhão de amigos”, são também plataformas onde se difundem idéias, tornando um simples comentário unanimidade. No Facebook, as opções “Curti” e “Compartilhar” são infalíveis nesse ponto. 
Então basta alguém se aproveitar da emoção de um momento para difundir um ponto de vista que é um tal de todo mundo curtir e compartilhar… Quando você vê, tornou-se moda no Facebook. A ponto de virar A VERDADE. E ai de quem discordar. Então o que mais vi, a partir do dia em que o assassino de Realengo matou as crianças, foi o sentimento de “viva o desarmamento” nas redes sociais.
Certo, qualquer um pode ter a opinião de que o desarmamento é a melhor opção para o Brasil. Só que querer passar por cima de um referendo que mobilizou milhões de pessoas, gastou os tubos de dinheiro e tomou o tempo de muita gente, e também querer fazer de uma idéia uma unanimidade na base do “compartilhar”, não concordo. 
Então justamente por isso existem referendos, plebiscitos, eleições. Para a maioria escolher uma idéia, um candidato, e o restante que votou contra aceitar. Afinal, democracia é isso, e não “engolir” um resultado e na primeira oportunidade que surge querer revertê-lo.
Além disso, o enfoque dado a essa “reinvenção” do desarmamento, versão 2011, é igual ao dado na campanha derrotada de 2005: querem desarmar a sociedade, proibir venda de armas em estabelecimentos comerciais. 
Só esquecem de um detalhe: bandidos, traficantes e delinquentes (como o tal Wellington, de Realengo) não compram armas em lojas, com nota fiscal. Tampouco vão a cursos de tiro, com professores especializados. Existe um grande e rentável comércio de armas no Brasil. Armas que vêm do Paraguai, por avião, e descem em pistas clandestinas no meio da selva, e que chegam às metrópoles pelo mar, em cargueiros piratas, durante alta madrugada. [N.doE.: não é novidade, também, que muitas das armas apreendidas pela Polícia em operações acabam revendidas a bandidos pelos próprios homens da lei]
A questão não está em proibir a venda e sim prevenir que armas caiam nas mãos de pessoas que irão utilizá-las para o mal. Qualquer objeto pode ser uma arma em potencial. Se eu pegar um livro de 900 páginas em minha biblioteca, e der com ele na cabeça de alguém, certamente essa pessoa terá sérios problemas, podendo até ter um traumatismo craniano, seqüelas e outras funestas consequências. 
No filme “O Poderoso Chefão 3″, Michael Corleone manda um de seus homens assassinar um rival. O pretexto da visita, claro, são os “negócios”. O sujeito chega e é rigorosamente revistado pelos capangas do outro. Tudo limpo. A conversa segue meio tensa. De súbito, o enviado de Michael se levanta, arranca os óculos do outro, quebra a haste e lhe enfia na carótida. Feito! Nas mãos de um psicopata ou de um assassino contumaz, até a Bíblia pode ser uma arma mortal.
Sinceramente, gostaria de ver tanta mobilização como esta a favor do desarmamento na busca em acabar com o mercado negro das armas e em se retirar realmente armas de bandidos. Queria ver uma mobilização generalizada em prol da defesa do voto consciente nas próximas eleições. Em favor da população de rua, das crianças malabaristas nos sinais de trânsito. 
Ou então, que a população no Twitter ou Facebook se indignasse em ver o Tiririca empregar dois compadres do riso, ganhando salário com o dinheiro público.
Aí sim, eu compartilharia isso em minha rede social.”