Em mais este domingo, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, traz um assunto polêmico: porque quase nunca se apreende dinheiro em operações policiais, somente armas e drogas.
“Para Onde Vão as Trutas?
Logo na primeira cena do filme ‘American Gangster’, inspirado na história do traficante nova-iorquino Frank Lucas, o detetive interpretado por Russell Crowe encontra uma fortuna em dinheiro vivo no porta-malas do carro de um delinquente. Para desespero do seu colega na diligência e surpresa de todos no distrito policial, o dinheiro é devolvido.
Escolhi esse exemplo para iniciar a coluna de hoje justamente porque o filme é inspirado em fatos reais – e portanto dá a dimensão de que a apropriação de numerário em operações policiais é, provavelmente, uma prática universal.
Embora óbvio, eu nunca havia prestado atenção no fenômeno até ler o livro “Falcão: Mulheres e o Tráfico”, do MV Bill e Celso Athayde. Vou citar o trecho: 
“Truta é como os bandidos chamam os sacos de dinheiro. Você já ouviu falar que a polícia entrou numa favela e achou dinheiro? Pois é, nem eu… Se as favelas movimentam tanto dinheiro com a venda de drogas, onde é que eles guardam esse dinheiro? (…)a maioria absoluta das batidas nos morros se dá por essa razão: pela busca desesperada, desenfreada, da grana do tráfico, das trutas. (…) para nós chega a notícia de que a polícia encontrou armas, drogas, balas, uniformes da polícia, mas dinheiro não, nunca!”

Na ótica muito particular de quem defende a prática, esse dinheiro “sujo” funciona como uma espécie de compensação informal pelos altos riscos envolvidos. Reconheço que deve ser duro encarar uma barreira de traficantes armados até os dentes, surpreendê-los com maços de dinheiro de origem desconhecida e resistir ao desejo de ficar com uma parte do butim, senão todo. Por mais tentadora que seja essa opção, é preciso estabelecer que é uma conduta, afinal, antiética e que ajuda a corromper a essência do aparato policial.
 

No mundo real, as operações policiais acabam sendo, muitas vezes, uma deturpada “caça ao tesouro”, com a agravante de que os caçadores possuem todas as justificativas do mundo para o uso da força desmedida e podem até comprometer a vida de inocentes, cegos que estão pela perseguição implacável ao dinheiro enterrado. No caso relatado no livro que citei, pessoas sem vinculação com o tráfico foram assassinadas pela má sorte de coincidirem morar no exato local onde os bandidos ocultaram a grana.
 
Convenhamos que a lei não ajuda. Não canso de dizer que o Brasil é o país das boas intenções, daqueles que imaginam transformar os costumes à base da caneta.
A Constituição – sim, a Constituição, algum iluminado achou que era caso de inserir tal regra na Constituição – determina que aquilo que for apreendido em decorrência do comércio de entorpecentes deve ser empregado na recuperação dos viciados. Pena que ninguém se deu ao trabalho de pensar o quanto isso daria trabalho no dia-a-dia. Quando algum dinheiro é apreendido, imagino que ele vá para uma conta vinculada ao processo judicial e sabe Deus como, quando e para quem irá.
Custava tirar essa declaração de bons propósitos da Constituição e dizer que o dinheiro seria empregado em benefício das próprias forças de segurança – tal como ocorre, por exemplo, com os honorários advocatícios em favor dos muitos procuradores e defensores do Estado? 
Talvez um policial fiscalizasse o outro, se soubesse que aquele dinheirinho sem dono iria ser usado, por exemplo, para aquecer a piscina do clube dos soldados ou para comprar novos uniformes para o time de futebol do quartel. Melhor assim do que engordar artificialmente o bolso dos que se arriscaram na missão, na linha do velho ditado de que o que faz a boca torta é o mau uso do cachimbo.”