Ricardo Kotscho, 63 anos, paulista, paulistano e são paulino. Jornalista desde 1964, foi um ator e espectador privilegiado de muitos dos principais fatos políticos da última metade de século no Brasil. Viu o nascimento político do ex-Presidente Lula como líder sindical dos metalúrgicos no ABC, partindo daí uma amizade e uma relação profissional que dura até os dias de hoje. É autor de um livro indispensável de memórias, “Do Golpe ao Planalto- Uma Vida de Repórter” (Companhia das Letras, 1986), que comentei aqui nos primórdios do blog.

De leitor assíduo de seu “Balaio do Kotscho” tornei-me admirador, e trocamos alguns e-mails na época da última campanha eleitoral.

Ricardo Kotscho é o entrevistado de hoje da coluna “Jogo Misto”.

1) O senhor se projetou para o grande público com uma matéria sobre os “superfuncionários” da Ditadura Militar. Para o leitor mais novo, o que consistia este caso? Que fim levou?
RK – Foi uma série de reportagens publicadas no jornal “O Estado de São Paulo”, em 1975, sobre as mordomias, abusos e privilégios dos “superfuncionários” do governo federal, produzida com a colaboração de toda a rede de sucursais e correspondentes do jornal.
A série sobre as mordomias causou grande repercussão, pois foi a primeira matéria de denúncia publicada na imprensa brasileira após a retirada da censura prévia do jornal. Muitos anos mais tarde, os “superfuncionários” passaram a ser chamados de “marajás” e as práticas de mordomias lesivas aos cofres públicos persistem até hoje.
2) O que foi a campanha das “Diretas Já”? O leitor mais novo não tem a dimensão da campanha, nos dias de hoje.
RK – A campanha das “Diretas Já” foi um movimento suprapartidário pela volta das eleições diretas para a Presidência da República, em 1984, já nos estertores da ditadura militar.
Maior campanha cívica da história brasileira, levou milhões de pessoas às ruas, mas o direito de eleger diretamente seu presidente só foi reconquistado pelo povo cinco anos depois. Conto a história completa no livro “Explode um Novo Brasil _ Diário da Campanha das Diretas (Editora Brasiliense, 1984).
3) Quais as características necessárias a um bom jornalista?
RK – Talento para escrever, curiosidade para perguntar, honestidade para contar e, o mais importante, ter um bom caráter.
4) Qual a avaliação que o senhor faz dos jornais e do jornalismo televisivo de hoje?
RK – É muito difícil generalizar uma avaliação da imprensa brasileira porque virtudes e defeitos variam de um veículo para outro e até mesmo entre profissionais do mesmo veículo.
De uma forma geral, em todas as plataformas, na nova e na velha mídia, acho que temos hoje Brasília demais e Brasil de menos na nossa imprensa, quer dizer, muito noticiário de gabinete e poucas histórias da vida real. Isso torna a nossa imprensa muito indiferenciada, muito repetitiva, muito burocrática, sem alma.
5) O senhor serviu ao Governo Lula. Em que consistia a função desempenhada?
RK – Nos dois primeiros anos (2003-2004) do primeiro mandato do presidente Lula eu exerci com muito orgulho o cargo de Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República. Era responsável pela divulgação dos atos do governo de interesse público e pelo relacionamento do presidente com a imprensa.
6) Como era o ex-Presidente Lula fora da liturgia do cargo? O senhor que o acompanha há mais de trinta anos percebe muitas mudanças na trajetória política do ex-presidente?
RK – Fora do cargo, o presidente Lula não mudou nada, manteve o mesmo jeito simples de sempre e de brincar com seus amigos. Na trajetória política, ele deixou as posições mais radicais do começo da carreira, na época da resistência à ditadura militar, e passou a ser mais conciliador, fazendo alianças que permitissem ao seu governo oferecer melhores condições de vida para todos os brasileiros.
7) Qual a avaliação que o senhor faz dos primeiros dias do Governo Dilma Rousseff?
RK – Acho que Dilma está surpreendendo positivamente tanto quem votou nela como seus adversários, mais voltada para a gestão administrativa do governo, mostrando firmeza nas decisões.
8) Um livro inesquecível. Por quê?
RK – Não tenho um livro inesquecível. Gostava muito dos livros de Monteiro Lobato e Jorge Amado.
9) Uma canção inesquecível? Por quê?
RK – “Caminhando”, de Geraldo Vandré. Virou o hino da resistência à ditadura militar.
10) Um momento inesquecível em sua trajetória jornalística. Por quê?
RK – A cobertura da campanha das “Direitas Já” na “Folha de S. Paulo”. Foi o grande momento de afirmação do povo brasileiro, um divisor de águas entre a ditadura e a democracia em que vivemos hoje.
11) Livro ou filme?
RK – Filme: “Todas as Mulheres do Mundo”, de Domingos de Oliveira, com Leila Diniz.
12) Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, algumas poucas palavras sobre o blog ou seu autor/editor.
RK – Como velho jornalista, do tempo em que a grande imprensa imaginava ter o monopópolio dos formadores de opinião, acho ótimo que hoje o Brasil tenha milhares de blogueiros como Pedro Migão para falar o que pensam sem pedir licença a ninguém. É saudável para a jovem democracia brasileira que tenhamos cada vez mais emissores e receptores de informações e opiniões.
Boa sorte ao Pedro e longa vida ao blog!

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