Como sempre, coluna publicada em parceria com o blog de mesmo nome.
“cinema, arte perecível
o cinema em geral é uma arte feita para durar. Os negativos precisam ser preservados. Dos negativos são feitas cópias em base de acetato, material mais resistente que o papel ou que a cerâmica. Um vaso pode ser uma bela obra de arte, mas é delicada e frágil: ao cair, se esfacela. Mas o filme não: é uma arte feita para durar. Pobre cinema!
Algumas vezes tenho a oportunidade de ver lindas críticas de filmes em jornais antigos, e que passaram a servir de embalagem para peixe. O que admiro nas críticas em jornal é seu paradoxo: a necessidade de dar conta em tempo imediato de algo urgente e pulsante, mas que no dia seguinte não tem mais valor. O jornal só é lido no dia; no dia seguinte, vira lixo. O crítico deve dar conta de todo um sentimento de verdade em relação à obra, ainda que saiba que seu esforço no dia seguinte vai para a lata do lixo e que provavelmente ninguém mais se lembrará. São filmes e filmes e filmes; textos e textos e textos. O seu é apenas mais um. Mas o é, e isso é belo.
Gostaria de fazer um filme perecível. Um filme feito num suporte autoinflamável que, ao ser exibido, ele próprio se desfizesse, tal como os downloads de filmes dos netflicks da vida que, após 24 horas, o arquivo é automaticamente deletado do seu computador. Num momento em que Tropa de Elite 2 bate todos os recordes como filme nacional mais visto dos últimos trinta anos, a partir de uma distribuição massiva, em que foi lançado em setecentas cópias em todo o país, eu gostaria de fazer um filme exibido em uma única sessão, cuja cópia única se desfizesse ao final dela. Ao final, os que restassem na sala de projeção – provavelmente três ou quatro amigos – cantaríamos juntos para celebrar a beleza desse ato fugidio, que nesse exato momento, já faria parte do passado.
É como os espetáculos de jazz ou como os recitais de poesia, que acontecem num breve momento e se desfazem ali mesmo. Acontece que a maior parte deles é baseado no improviso e no contato com o público. Como uma festa, é algo que se faz ali no calor do momento, e que não pode ser repetido. Ou que na própria tentativa de repetição passa a ser necessariamente outro. Não é o caso da minha proposta. Nada me dá mais calafrios do que “improviso” e “contato com o público”. Não se trata disso.
Quanto mais se discutem os canais do cinema independente, e quanto mais vivemos a necessidade da canonização desse novo jovem cinema, cada vez mais tenho a necessidade de me dedicar muito, arduamente, a fazer castelos de areia. Não por pirraça, por ser “do contra”, mas é porque sinto que é a única coisa que posso fazer: ser coerente comigo mesmo. Gostaria de começar agora, agora mesmo, nesse minuto.
(este texto perecível será deletado deste blog em sete dias)”
[N.doE.: mas sobreviverá, resgatado, aqui…]