Excepcionalmente, troca neste final de semana. Hoje teremos a “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, e amanhã a “Sobretudo”, do publicitário Affonso Romero.

O tema de hoje é algo sobre o qual discorri tangencialmente na quinta feira, mas que é importante: os custos e a disponibilidade do serviço de empregadas domésticas. 

O leitor verá que tem muito “elitista” reclamando sem motivo… Por outro lado, embora tenha uma empregada em horário comercial não me enquadro neste arquétipo de nunca fazer serviços de casa nem cuidar de minhas filhotas. Pelo contrário.

Femmes de Ménage

Domingo eu assisti em um desses canais obscuros (Discovery Home & Health, Liv ou coisa parecida) um reality show com uma família de 3 filhos, era um programa concorrente da Super Nanny. As crianças eram uns capetas em miniatura e os pais não tinham mais vida. A mãe se desdobrava para tomar conta da prole, cozinhar e arrumar a casa. O pai chegava em casa e era a 4ª criança, ajudava a incendiar ainda mais o ambiente. Embora o programa fosse dublado, eu estranhava porque os nomes dos filhos eram tipicamente brasileiros (Gabriel, Lucas e Angélica), e os pais também pareciam ser brasileiros, os artigos da casa idem. Só que era uma casa imensa, linda, em um condomínio chique. Isto me deu a certeza de que aquela família não poderia ser brasileira, porque, com o dinheiro que eles tinham, certamente teriam empregada. Talvez mais de uma empregada. E eu estava certo: eles eram argentinos. Na Argentina, mais perto da minha casa do que o Rio de Janeiro onde nasci, a classe média alta não tem empregada.

Meu afilhado de casamento é executivo de uma multinacional brasileira e um dos cargos que ele ocupou foi a presidência de uma subsidiária canadense. Ele morava em Toronto, com a esposa, que por ter um alto cargo na administração federal conseguiu ser transferida para o Consulado Brasileiro. Não faço nem idéia de quanto seria a renda do casal, mas certamente superava com muita folga os R$ 100 mil mensais, fora os fringe benefits. Moravam em uma mansão cinematográfica, de muitos quartos. Empregada? Uma vez por semana, uma faxineira, que chegava dirigindo o seu próprio carro.

Quando me mudei para Porto Alegre passei a notar algumas coisas. Ninguém aqui tem motorista. No Rio de Janeiro, amigos meus de classe média alta só andam de motorista particular, tem até quem se dê ao luxo de ter dois motoristas, um para o casal, outro para levar os filhos na escola. É comum nos finais de semana ver jovens casais sempre acompanhados de babás, no shopping, na praia, no restaurante. Aliás, eles possuem babás no esquema 24hx7 dias por semana, graças às chamadas “folguistas”. Sem contar que idosos passeiam na orla da Zona Sul escoltados por “acompanhantes” vestidas de branco.

Assim vive a classe média carioca (imagino que a paulistana também), ninguém lava a louça, ninguém cozinha, ninguém arruma a casa, ninguém toma conta dos filhos. Foi por isso que a tentativa da Rede TV de fazer uma adaptação do seriado americano Desperate Housewives fracassou. Afinal, quem acreditaria que aquelas mulheres ricas e morando em mansões passariam seus dias ocupadas em tarefas do lar nos Alphavilles da vida?

Nesses meus pouco mais de três anos de vida nas terras meridionais, conheci milionários, ricaços de verdade que dirigem seus próprios carros e tomam conta dos filhos pequenos e nunca vi um idoso passear na rua acompanhado por alguém fantasiado de enfermeiro. Embora, claro, aqui também seja comum ter empregados domésticos.

Eu costumo dizer que duas coisas são muito baratas no Brasil: cerveja e empregada doméstica. Cerveja ainda vá lá, eu apoio integralmente que seja ainda mais em conta ou mesmo distribuída de forma gratuita como forma de socializar a alegria e ampliar o bem-estar coletivo, mas empregada doméstica, nos moldes em que praticamos, é uma herança maldita de algo já extinto no final do século XIX.

Por dever de ofício, já passei pelo constrangimento de ter que defender algumas “patroas” em ações trabalhistas movidas por suas ex-domésticas. Algumas tinham razão, outras não, mas isso é o que menos me incomodava. O que me doía era ter que ouvir as justificativas que elas apresentavam. Os argumentos são sempre surreais: “sempre ajudei a família”, “comia do bom e do melhor”, “tomava danoninho”, “doava minhas roupas de marca para ela”…tudo muito difícil de se ouvir calado, mais ainda de ter fingir que concordava com algo tão pueril.

No fundo, até admito que uma dona de casa possa se dar ao luxo de confundir os papéis e achar que repartir as sobras da panela ou do armário deve ser compreendido como um ato de bondade suprema. O que me revolta é ver gente inteligente catando argumentos capazes de justificar a manutenção do trabalho doméstico como uma categoria à parte do universo laboral, uma espécie de “semi-trabalho”, ou talvez uma criadagem remunerada.

A OIT (Organização Internacional do Trabalho), há uns 4 anos, concluiu um estudo mostrando que a maioria dos países realmente prevê diferenças em suas leis do trabalho doméstico, que tendem a ter menos direitos do que os trabalhadores dos setores tradicionais. Mas é comum ver estendidos aos domésticos uma remuneração por horas extras ou benefícios sociais, como seguro contra acidentes. No Brasil, sempre que se tenta diminuir o fosso entre os direitos dos domésticos e os direitos dos chamados “celetistas”, logo surgem os “especialistas”.

A imprensa adora ouvir, por exemplo, o professor de economia José Marcio Camargo. Ele é um dos defensores mais conhecidos da deslavada mentira de que os encargos trabalhistas representariam 100% ou até mais do que o salário original do trabalhador (essa gente, com tantos diplomas de PhD nas paredes, ainda não domina a arte da calculadora). Perguntado sobre o que achava de conceder FGTS ou mais direitos às domésticas, o professor subiu nas tamancas e enfatizou que a legislação trabalhista brasileira “é um horror” e sua extensão às domésticas iria causar “desemprego, informalidade (como se o setor fosse um exemplo de rigor na anotação da carteira de trabalho) e redução de salário”.

O problema, que escapou ao professor e a tantos outros usuários viciados nos serviços de criadagem, é que quando o país melhora, menos gente se dispõe a trabalhar nesse esquema cruel e degradante do serviço doméstico, ou os que aceitam passam a cobrar caro. Hoje uma babá dessas que batem ponto no “Baixo Bebê” do Leblon ganha mais do que um advogado recém-formado e isso é um choque para quem se acostumou a pagar migalhas. Em parte, como lembrou o caríssimo Editor-Chefe desse blog da resistência, é mais um ingrediente a ferver no caldeirão do preconceito de classe e a estimular o ódio nessa reta final dessa triste campanha eleitoral.”