Fechando o domingo, mais uma coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é a “Chavezfobia” de setores da imprensa brasileira e as relações perigosas dos governantes colombianos com as forças para-militares e terroristas de direita do país.
Os mesmos governantes enaltecidos pelo candidato de oposição como exemplo de combate ao narcotráfico e ao terrorismo. Mas vamos ao (indispensável) texto que o leitor entenderá melhor.
Chavezfobia, a Colômbia e os verdadeiros terroristas
A imprensa brasileira é normalmente refratária ao noticiário internacional, o que a coloca em uma posição dissonante do que se pratica no restante do mundo ocidental, onde a pauta de assuntos externos goza de grande prestígio.  Mas, de uns anos para cá, qualquer assunto envolvendo o presidente venezuelano Hugo Chavez parece ter tanta relevância quanto uma declaração de Winston Churchill na época da 2ª Guerra.

Duvido que alguém saiba o nome do antecessor de Chavez na presidência. Eu não sabia, até ser socorrido pela Wikipedia. Chamava-se Rafael Caldera. Não se acha quase nada publicado sobre seu governo nos arquivos à disposição para consulta nos sites da imprensa brasileira. E a culpa não é do simpático presidente falecido ano passado. É que brasileiro nunca deu muita bola para os assuntos do continente. Tanto assim que Peru e Equador foram às vias de fato em 1995 e a guerra só acabou com a mediação brasileira, mas o assunto aqui passou batido – nem o Itamaraty foi acusado de soberba por querer se intrometer nos problemas alheios, ao contrário até, o esforço de paz foi elogiado, ao menos pela meia dúzia que ficou sabendo do imbróglio.

Mas Chavez é uma espécie de popstar do jornalismo nativo, a encarnação daquele menino malcriado da vizinhança que todo mãe recomenda que a gente mantenha distância. E embora dele se digam cobras e lagartos, dois temas são recorrentes: a) a aliança “criminosa” com as FARCs; b) as tentativas de calar a imprensa, fechando veículos de comunicação manu militari.
Comecemos pelo mais grave, o acobertamento de membros das FARCs. Quem delas já ouviu falar sabe que se trata de um bando de comunistas amalucados que abandonaram o sonho da revolução pela exploração capitalista do rentável comércio de entorpecentes. Um misto de grupo terrorista com crime organizado. Deve ser tudo verdade, admito. Só que lamento decepcioná-los ao esclarecer que as FARCs não constituem nem o único, nem o maior grupo terrorista da Colômbia.

Já ouviram falar do maior inimigo das FARCs, as AUCs – Autodefensas Unidas de Colombia? É provável que não, elas não têm prestígio por aqui. Só que são o maior grupo terrorista colombiano, igualmente enraizadas no narcotráfico, tendo mais do que o triplo de militantes  (31.000, contra 9.000 das FARCs), como informa o insuspeito Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que edita uma lista com todas as organizações que eles consideram terroristas.

Se no imaginário midiático Chavez encarna o vilão, o papel do menino bonzinho e herói cabe ao presidente colombiano. A revista Veja chegou a perdoar sua tentativa de novamente mudar a constituição para tentar o terceiro mandato sob a justificativa de que ele “combate as FARCs”. O triste é que se há algum político na América do Sul comprovadamente envolvido com o narcotráfico e terroristas colombianos é justamente o queridinho da vez, Alvaro Uribe.

Santiago Uribe, irmão do presidente, foi dirigente dos “12 Apóstolos”, subgrupo das AUCs responsável por dezenas de assassinatos.

Mario Uribe, senador colombiano, primo e aliado do Presidente, foi preso duas vezes por envolvimento com as AUCs, a última delas em uma transação de terras com objetivo eleitoral. Ele e Alvaro Uribe fundaram, juntos, o partido “Colômbia Democrática” e foi ele que no Senado articulou a reforma constitucional que autorizou a reeleição de Alvaro. Para não constranger ainda mais o governo, pediu asilo político na Embaixada da Costa Rica, que negou a tentativa, aumentando ainda mais a vergonha.

Salvatore Mancuso, capo das AUCs e que está preso nos Estados Unidos por ligações com o tráfico de drogas, revelou que as AUCs apoiaram a eleição de Alvaro Uribe e que no congressso colombiano há dezenas de parlamentares ligados às AUCs. E ainda assim o vilão da história é o coronel venezuelano!

Aposto que o povo brasileiro acredita que Chavez, irritado com as críticas feitas pela Globovision, mandou cortar o sinal da emissora em um rompante de autoritarismo. É isso que os seguidos comentários ácidos dão a entender. Só que não foi bem assim…

Tal como no Brasil, a radiodifusão pertence ao Estado e é concedida à iniciativa privada por um prazo determinado, que pode vir a ser renovado, desde que aprovado pelas instâncias cabíveis.
Dando um exemplo bem rasteiro e exagerado, imagine que você tenha alugado um imóvel. Quando o contrato acaba, você o renova, porque o seu objetivo é receber o aluguel, nada além disso. Mas digamos que durante o prazo contratual você brigou feio com o seu inquilino e se tornaram inimigos capitais. Tudo o que você quer é que o contrato acabe, que você não seja obrigado a renovar a locação e possa mandar embora o desafeto.

O que aconteceu na Venezuela foi exatamente isso: o contrato de concessão da emissora venceu e o Estado arranjou um jeito de não renová-lo. Certo? Errado? Provavelmente mais errado do que certo, porque a motivação foi claramente política. Mas uma decisão estritamente legal e rigorosamente de acordo com o que prevê a constituição venezuelana. Porque dizer que o governo estaria obrigado a renovar a concessão eternamente significaria uma usurpação, por um ente privado (a Globovision), de um bem público (o direito à radiodifusão).

Sinceramente, acho que vem daí a implicância do jornalismo tupiniquim. Vai que algum louco um dia se lembre que a constituição brasileira também prevê que as renovações das atuais concessões de rádio e TV também precisam ser aprovadas pelo Legislativo e Executivo e resolve engrossar a voz com a absurda falta de concorrência leal no setor e questionar as práticas monopolistas dos grandes grupos de mídia?”