Como a resenha literária de hoje foi musical, nada melhor que um exemplar da obra de Paulo César Pinheiro para abrirmos o nosso final de semana.
Escolhi aquela que é uma das músicas mais bonitas do compositor e, como ele próprio diz, uma das mais difíceis para ele: “Um Ser de Luz” (Sabiá), composta em homenagem à esposa Clara Nunes em parceria com João Nogueira e Mauro Duarte.
No livro Paulo César conta que achou um absurdo quando os parceiros vieram a ele com a idéia de um “samba de adeus” para Clara Nunes. Já tinham prontas, inclusive, esboços de letra e o início da melodia. Entretanto, Nogueira o convenceu com um argumento muito hábil: que se ele (Paulo) fizesse o samba, ninguém mais se atreveria a escrever outro. Além disso, se ele não fizesse iriam aparecer canções oportunistas e de baixa qualidade.
Foi exatamente o que ocorreu. Depois da parceria, jamais outro compositor se atreveu a escrever um samba em homenagem à Clara Nunes. “Um Ser de Luz” – que tem este título como referência a uma crônica de Artur da Távola escrita durante o período de agonia da cantora no hospital – se tornou a definitiva canção de adeus, como previra João Nogueira.
A música foi o “esquenta” da Portela para o carnaval seguinte – inclusive eu tenho em algum lugar esta gravação. O vídeo que disponibilizo acima é de um dos autores, João Nogueira. Paulo César Pinheiro escreve que jamais conseguiu cantar a música.
Há uns anos atrás, eu era um dos organizadores de um evento para membros pioneiros da Messiânica e convidamos um grande compositor, multicampeão em sua Vila Isabel, messiânico como eu e com quem tenho algum grau de amizade para fazer o fechamento do evento com uma “canja”. Eu estava circulando pelo local do evento verificando algumas imprevisibilidades que haviam surgido quando ouço pelo sistema de som o anúncio:
” – Quero cantar uma música de que gosto muito e ao mesmo tempo fazer uma homenagem a um amigo, portelense, que ajudou na organização deste evento: Um ser de luz, ou Sabiá.”
E cantou. Fiquei muito tocado com a lembrança.
Vamos à letra:

“Um dia
Um ser de luz nasceu
Numa cidade do interior
E o menino Deus lhe abençoou
De manto branco ao se batizar
Se transformou num sabiá
Dona dos versos de um trovador
E a rainha do seu lugar

Sua voz então a se espalhar
Corria chão
Cruzava o mar
Levada pelo ar
Onde chegava espantava a dor
Com a força do seu cantar

Mas aconteceu um dia
Foi que o menino Deus chamou
E ela se foi pra cantar
Para além do luar
Onde moram as estrelas
E a gente fica a lembrar
Vendo o céu clarear
Na esperança de vê-la, sabiá

Sabiá
Que falta faz sua alegria
Sem você, meu canto agora é só
Melancolia
Canta meu sabiá,
Voa meu sabiá,
Adeus meu sabiá…
Até um dia…”

O que o livro não conta é que há uma outra composição da dupla – sem Mauro Duarte – feita em 1975 para homenagear Clara Nunes. Chama-se “Mineira” e abaixo disponibilizo a letra e o vídeo, também na interpretação do cantor e compositor portelense. Há uma outra versão desta canção bastante interessante no cd “Casa de Samba 1”, com o próprio Nogueira e Alcione, mas esta não encontrei nenhum vídeo que pudesse incorporar no post.

“Clara,
abre o pano do passado,
tira a preta do cerrado
Pôe rei congo no congá
Anda canta um samba verdadeiro,
faz o que mandou o mineiro
Ô mineira

Samba que samba no bole que bole
Oi morena do balaio mole se embala do som dos tantãs
Quebra no balacochê do cavaco e rebola no balacubaco
Se embola dos balagandãs
Mexe no meio que eu sambo do lado vem naquele bamboleado
Que eu também sou bam, bam, bam

Vai cai no samba cai e o samba vai até de manhã
Vai cai no samba cai e o samba vai até de manhã

Ô saravá mineira guerreira que é filha de Ogum com Iansã”

(Foto: Globo.com. O curioso é que um dos ritmistas que estão na foto tocaria junto comigo na bateria da Portela em 2004, o Timbira)