Como já escrevi aqui, tenho visto muito pouco da Copa do Mundo. Quase nada ao vivo, alguma coisa em VT, muitos “melhores momentos”. Estava fazendo compras no supermercado quando começaram a pulular as mensagens no meu Twitter dando conta do erro que vitimou a Inglaterra. Depois, vi ao vivo o jogo da Argentina e na hora apontei o impedimento na jogada do primeiro gol. Inclusive Tevez olha duas vezes para o bandeirinha antes de sair para comemorar.
No final das contas os erros grotescos acabaram ofuscando as boas atuações de Alemanha e Argentina. E chamam a atenção para um debate que há muito vem sendo travado, que é o da arbitragem. Debate este que não se restringe apenas ao uso da tecnologia, mas a questões como a profissionalização destes atores do espetáculo e toda a política que envolve escalas e jogos de poder.
O primeiro ponto que temos de abordar é a adoção da tecnologia. Ontem ficou claro que os jogadores e o técnico mexicanos viram o replay do gol no telão, partindo para protestar com o bandeirinha. O bandeira parece que também viu, mas o juiz optou por consagrar a injustiça e seguir a regra.
Parece claro que algum tipo de auxílio eletrônico precisa ser adotado, em especial nas grandes competições. Nem falo daqueles erros que somente podem ser vistos com vários replays e várias câmeras – lembro aos meus 66 leitores que o árbitro não tem este recurso, tem de decidir na hora – mas de equívocos grotescos como os vistos ontem em duas oportunidades. Aproveito para colocar nesta conta o segundo gol brasileiro contra a Costa do Marfim, também absurdamente validado.
Os críticos se utilizam de dois argumentos para descartar o uso da televisão: primeiro que “a graça do esporte está na polêmica” e segundo que “nem todos os campeonatos podem adotar este tipo de recurso por questão econômica”.
Ambos são falaciosos. A graça do futebol está no drible, no gol, no ataque, na bela jogada, nos vencedores e derrotados. Não em campeonatos decididos em erros de arbitragem, decisões absurdas privilegiando esta ou aquela equipe ou mesmo eventos relacionados a subornos (o famoso “está na gaveta”) ou coisas do gênero. A outra questão pode ser resolvida com uma limitação de campeonatos ou jogos onde tal recurso seria utilizado.
Algo do tipo “as competições internacionais e as primeiras divisões dos países mais bem colocados no ranking da Fifa utilizarão este recurso”, ou parecido. Penso que, para se evitar paralisações muito prolongadas – a televisão é um ator importante neste processo – pode-se adotar algo como o feito em esportes norte-americanos: cada equipe teria direito a um pedido de “vistas” nas imagens por tempo de jogo. Até para se evitar o uso do recurso para se “catimbar” uma partida. Já se resolveriam 95% dos problemas causados por falhas grotescas de árbitros.
Outro ponto é a profissionalização dos árbitros. Hoje, tirando a “elite da elite” os juízes precisam ter a sua profissão fora do futebol. Em um esporte onde cada vez mais o condicionamento físico se faz parte primordial do jogo, onde se corre dez, doze, catorze quilômetros em noventa minutos aqueles que tem o poder de vida e morte sobre as equipes se preparam apenas nas horas vagas.
Evidentemente, vemos um abismo físico entre jogadores e árbitros, e muitas decisões equivocadas podem ser creditadas a esta diferença de preparo: não somente por não chegar a tempo para os lances quanto à própria exaustão física. Há a necessidade de se transformar em profissão a carreira arbitral, com um programa de condicionamento físico e uma espécie de “plano de carreira” para os mesmos. Obviamente, as federações são contra pois isto implica em custos e diminui o poder dos dirigentes sobre os juízes. Entretanto, quando vemos a CBF nadando em dinheiro do jeito em que está fica difícil aceitar este argumento.
Terceiro, e não menos importante, é a questão da política. Muitas vezes vemos apitando Copas do Mundo não os melhores árbitros de cada país, mas aqueles mais bem relacionados com as federações nacionais ou que sabem jogar o jogo da política interna. Não podemos nos esquecer que pelo menos na América do Sul as Comissões de Arbitragem das federações são claramente subordinadas à direção das mesmas. Não podemos fechar os olhos para o fato de que sempre há equipes mais bem relacionadas com as entidades diretoras ou movimentos em campeonatos que sejam mais adequados aos detentores do poder discricionário. E a arbitragem é um elemento importante neste processo. Deixo claro que não me refiro a subornos, “roubos” ou coisas do gênero, apenas relações de poder. O clássico “quem pode mais chora menos”.
Os leitores podem ter um exemplo disto que falo quando vemos o argentino Héctor Baldassi – de triste lembrança para torcedores de Flamengo, Fluminense e Santos, entre outros – e o brasileiro Carlos Eugênio Simon – detestado por praticamente todas as maiores torcidas brasileiras por falhas inacreditáveis – apitando a Copa do Mundo. Parece claro que não estão lá por suas qualidades no apito, porque há melhores, então a única explicação que podemos encontrar é a sua rede de relacionamentos formada dentro das federações nacionais.
Eu tenho um colega que é bandeira em competições nacionais brasileiras. Ele diz abertamente que, “se não fizer o jogo da Federação”, não entra na escala de árbitros para o sorteio que define os trios de arbitragem para as partidas das competições brasileiras. Escala esta que é feita pela Comissão de Arbitragem, órgão que não é independente da Diretoria da CBF – portanto, não está imune a pressões.
Querem um exemplo? Desde a eleição do Clube dos 13, onde o Corinthians articulou junto com a CBF a candidatura de Kleber Leite as arbitragens do clube paulista passaram a ser mais “simpáticas” – inclusive com alguns erros graves a favor da equipe paulista nesta primeira “perna” de Brasileirão.
Não é suborno, não é determinação, é simplesmente não desagradar aos poderosos – e que podem colocar o árbitro na “geladeira”, sem apitar. Na dúvida, acaba marcando sempre a favor do time mais poderoso. Até porque o valor recebido por partida pelo trio não é irrisório – principalmente na Primeira Divisão e em competições internacionais – e se torna um importante complemento de renda para os juízes. Hoje a carreira de um árbitro toda depende das decisões tomadas pelos mandatários das entidades organizadoras, independente de suas qualidades ao trilar o apito.
Finalizando, o uso da tecnologia, especialmente televisiva, a profissionalização da arbitragem e a existência de Comissões de Arbitragem independentes das entidades organizadoras do esporte são medidas que certamente melhorarão o nível de arbitragem e evitarão erros grotescos como os vistos ontem.