Com atraso – dia de resolver problemas e fazer compras – segue a nossa coluna “Cacique de Ramos”, assinada pelo publicitário e historiador Fabrício Gomes. Sem mais delongas, vamos ao texto.
O aliado desconhecido

No filme “O Pianista”, de Roman Polanski, exibido em 2002, inspirado na obra auto-biográfica de Wladyslaw Szpilman, sobre sua experiência como sobrevivente da perseguição nazista e seu dia-a-dia no gueto de Varsóvia, a personagem de Adrien Brody (o próprio Wladyslaw em questão), na cena final, sai de seu esconderijo vestido com um um uniforme militar de um soldado alemão, que fizera amizade durante sua luta pela sobrevivência. O uniforme era da SS nazista e a personagem não se dera conta disso, até se deparar com soldados russos, que ao confundi-lo com um nazista, começam a atirar contra ele. 

Tal cena, repleta de poesia – sim, é possível fazer poesia em meio a uma guerra de tamanhas proporções – esconde uma mensagem por trás: a presença da União Soviética no conflito – retratada neste caso, de modo um tanto quanto preconceituoso – afinal, porque não foram soldados americanos atirando contra Wladyslaw? 

Em qualquer turma do Ensino Médio atualmente – ou até mesmo nas gerações ocidentais, subseqüentes à Segunda Guerra Mundial, quando se fala nesse episódio mundial, o país que nos vem à mente é, sem dúvida, os Estados Unidos – que foram os grandes vencedores da guerra. Falando ainda dos outros aliados, a Inglaterra é retratada como uma ex-potência bélica, que começa a ruir antes mesmo, no fim da Primeira Guerra Mundial. A França? Bem, a França é também uma ex-potência, abalada ainda mais pelo fato de ter abrigado nazistas no seio da pátria e ter, em grande parte, coadunado com os ideais hitleristas – basta nos debruçarmos um pouco mais no assunto “A França de Vichy” – quando o país foi invadido por nazista e grande parte de seu território foi tomado por alemães, formando um Estado francês, de influência nazista, em oposição às Forças Livres Francesas. 

Mas e a URSS? O que falar dessa outra força dos Aliados? 

Se durante a Primeira Guerra Mundial a URSS teve uma participação bastante discreta, tendo em vista que se encontrava em meio à Revolução Russa (1917), na Segunda Guerra Mundial os soviéticos tiveram peso preponderante para a definição do conflito. De 1941 a 1945, a participação da URSS no conflito ficou conhecida como a Grande Guerra Patriótica, combatendo os soviéticos contra as forças invasoras da Alemanha nazista.

Em 22 de Junho de 1941, os exércitos do eixo lançaram-se à conquista do território soviético, com a chamada Operação Barbarossa. Contavam com 180 divisões, entre tropas alemãs, italianas, húngaras, romenas e finlandesas, num total de mais de três milhões e meio de soldados. A estes se opunham 320 divisões soviéticas, num total de mais de seis milhões de homens, porém apenas 160 destas divisões estavam situadas na região de fronteira com a Alemanha Nazi. Grande parte das tropas soviéticas estava na região leste do país, na fronteira com a China ocupada, antecipando a possibilidade de mais um ataque japonês contra a União Soviética, conforme acontecera em março de 1939.

A estratégia do Alto Comando Soviético (Stavka) no início facilitou a invasão, pois determinou que todas as unidades militares onde estivessem seguissem em direção à fronteira para barrar o avanço do inimigo. Com isso, as operações de cerco e destruição ficaram mais fáceis para os exércitos alemães. A partir de Outubro de 1941, com a reorganização do comando soviético, a estratégia adotada era de resistir onde era possível e retirar-se para ganhar tempo. Enquanto as operações estavam em andamento, ao mesmo tempo, iniciava-se uma grande operação de evacuação de toda a indústria e maquinaria que pudesse ter algum valor militar. O material foi transferido para os montes Urais, Ásia Central Soviética e para a Sibéria. O que era deixado para trás era destruído na retirada (a chamada “política da terra arrasada”). Enquanto isso, na retaguarda, as populações deixadas para trás organizavam grupos de guerrilha e sabotagem, prejudicando a logística das forças invasoras. 

Esse nível de atrito era até então desconhecido pelos alemães (calculam-se em um terço as perdas das forças nazistas nos primeiros seis meses), que até então tinham obtido diversas vitórias (Polônia, França, Países Baixos, Bélgica, Noruega, Dinamarca, Iugoslávia, Luxemburgo e Grécia) com perdas insignificantes. 

Na Batalha de Stalingrado, os soviéticos comandados pelo Marechal Georgy Zhukov finalmente conseguiram deter os alemães. A partir de Dezembro de 1941, em pleno inverno, iniciaram uma grande contra-ofensiva que fez ruir por terra a Blitzkrieg (guerra relâmpago) nazista. 

Os soviéticos conseguiram “empurrar” os alemães de volta à Alemanha para, por fim, aí derrotar os seus exércitos. Quando as tropas soviéticas estavam em Berlim, pouco antes de alcançarem Hitler, ele suicidou-se (30 de Abril de 1945). 

Entretanto, durante um certo período – longo período, por sinal – a historiografia ocidental colocou em segundo plano a participação soviética no conflito. Durante a invasão alemã – que chegou a ficar a alguns quilômetros do Kremlin – surgiu a informação de que Stalin assumiu atitude medrosa, preferindo fechar-se no palácio e entrar em depressão – inclusive tendo ignorado todas as informações de Zhukov, de que os inimigos nazistas iriam invadir o país mais cedo ou mais tarde. 

Certamente que somos levados a pensar até que ponto esta historiografia foi influenciada pelo fato da bipolarização em torno da Guerra Fria: de um lado, os EUA, do outro, a URSS. Seria decerto mais interessante ao ocidente ter a imagem da URSS minimizada, já que não era bom enaltecer o país do perigo vermelho. Uma imagem positiva dos soviéticos, como também grandes vencedores da Segunda Guerra, não atenderia aos interesses dos EUA na luta contra o comunismo soviético, que se alastrava durante a década de 1950 para o mundo. 

A URSS foi o país que mais perdeu vidas na Segunda Guerra Mundial. Se na Primeira Guerra Mundial, a Rússia perdera um efetivo equivalente a 30% de seu efetivo militar, na Segunda Guerra Mundial algo em torno de 24 milhões de soviéticos perderam suas vidas nos esforços de guerra. (vejam os gráficos comparativos entre as duas grandes guerras) 

Mas certamente não vamos ver isso nos filmes de guerra de Steven Spielberg ou nas séries de TV sobre guerras, produzidas pela Fox.