Hoje vamos para um quesito quase irmão de samba-enredo: harmonia. Desde quando a Justificando começou, o quesito sempre apresentou dois problemas.

O primeiro é um excesso de foco no carro de som em detrimento do julgamento do canto dos componentes. O segundo é a eterna confusão com o quesito evolução, seja por um desconhecimento (que as vezes beira o absurdo) da diferença pelo julgador, seja por falta de uma delimitação mais pormenorizada dos limites de cada um no manual da LIESA – que não muda há tempos.

Modulo 1/2

Julgador: Deborah Levy

  • Império – 9,7
  • Viradouro – 10 
  • Grande Rio – 9,8 
  • Salgueiro – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Imperatriz – 9,8 
  • U. da Tijuca – 10 
  • São Clemente – 9,8 
  • Vila Isabel – 9,9 
  • Portela – 10
  • Ilha – 9,9 
  • Tuiuti – 9,9
  • Mangueira – 10
  • Mocidade – 9,9

A julgadora de forma geral justificou bem os descontos e especificou bem onde estaria cada problema em um bom caderno com bastante foco na dicção clara e correta das palavras (apesar de tentar entender como o “dedo de ouro” da Imperatriz passou limpo). Porém esse caderno é a síntese dos problemas que escrevi na introdução.

Inicialmente foram apenas dois décimos descontados por falta de canto (Império e Mocidade) contra um sem fim de descontos em carros de som.

Quanto a confusão em relação ao conjunto evolução, a justificativa da Imperatriz é altamente exemplificativa: “A escola fez um belo desfile, mas foi penalizada por duas vezes por conta de ‘buracos’ que abriram em frente ao módulo 1, causando prejuízo a totalidade do canto: 1º alegoria ‘abre-alas’. O carro apresentou um defeito desde 0:11 até 0:13. (-0,1) 2º novamente, com 0:39 transcorrido do desfile (-0,1).”

Classicamente, buracos sempre foram penalizados em evolução. O que essa julgadora argumenta é que a partir do momento que o buraco é grande o suficiente para não haver componente cantando, não há canto naquele espaço e por isso a escola deve ser penalizada.

Faz algum sentido? Faz. Porém, na minha opinião se configura um “bis in idem” (ou seja, dupla penalização pelo mesmo problema), pois assim um buraco precisaria ser penalizado em harmonia e em evolução ao mesmo tempo caso tenha um buraco de tamanho considerável.

É mais um ponto que urge a LIESA definir para melhor desenhar os limites de harmonia e evolução e essa mesma polêmica já fora levantada pela Celia Souto ao descontar o famoso buraco de 2017 da Mangueira.

Por se tratar de duas julgadoras diferentes em anos diferentes a apontarem isso, acredito que isso passou a ser uma recomendação da própria LIESA, mas se houve isso realmente, não sabemos.

Por fim, destaco a justificativa da São Clemente, pois suspeito que mais uma vez foi culpa técnica do carro de som da LIESA e não da escola: “A escola iniciou seu desfile com uma linda introdução da intérprete Larissa Luz. Porém, a unidade do coro foi prejudicada em função da desigualdade de volume entre as vozes masculinas e femininas. O equilíbrio traria a compensação necessária pelo desfavorecimento do tom da música à voz feminina. (-0,1)…”

Quem acompanhou os desfiles pela Globo, percebeu que no início do desfile da São Clemente o Ribas e o Leozinho estão loucos com o carro de som, reclamando justamente que seus microfones estão muito baixos.

Aqui é momento de mais um ctrl+c, ctrl+v de 2017: até que ponto isso é culpa da escola e até que ponto isso é culpa do péssimo serviço de som da Sapucaí? Se for culpa da LIESA, a escola não pode ser penalizada.

Sabendo-se dos problemas crônicos do som da Sapucaí, é justo que o carro de som seja julgado? Vejam, nem estou aqui perguntando em teoria; estou perguntando na prática, com o sistema de som falho como tem ocorridos nesses anos.

Módulo 3

Julgador: Miriam Orofino Gomes

  • Império – 9,7
  • Viradouro – 9,9
  • Grande Rio – 9,9
  • Salgueiro – 10
  • Beija-Flor – 9,9
  • Imperatriz – 9,9
  • da Tijuca – 9,9
  • São Clemente – 9,8
  • Vila Isabel – 10
  • Portela – 9,9
  • Ilha – 9,9
  • Tuiuti – 10
  • Mangueira – 10
  • Mocidade – 9,9

Historicamente, Miriam é uma julgadora que sempre focou demais em carros de som e de menos em canto dos componentes, porém isso já havia mudado em 2016 (em 2017 ela ficou como reserva e não foi divulgado seu caderno).

Ela manteve essa nova linha esse ano quando em 6 justificativas ela canetou a falta de canto na escola (Império, Grande Rio, Tijuca, São Clemente, Ilha e Mocidade).

Porém, há muitos problemas em suas justificativas mais uma vez. Para começar, um clássico problema de descontar em harmonia a “falta de empolgação”. Como já escrevi várias vezes na série, harmonia é canto apenas. Dança, empolgação, fluência e afins é para se avaliar em evolução. Não obstante várias vezes a julgadora justificou o desconto com “falta de empolgação”.

Foi assim no Império Serrano (ala das baianas), Beija-Flor (idem) e  Imperatriz. Já para São Clemente e Imperatriz, sobraram descontos por “falta de fluência”, sendo que na Imperatriz ela ainda escreveu que o desfile foi “sem vibração”. Para mim, todas essas justificativas deveriam ter sido feitas em evolução, não em harmonia.

Se a escola passa em marcha militar, mas cantando o samba, merece 10 em harmonia. Fica mais uma vez o pedido urgente para a LIESA delimitar de forma muito mais clara a separação entre harmonia e evolução. Não é a primeira vez que escrevo isso para essa mesma julgadora.

Porém o problemas não param por aí. Na Viradouro ela justificou que “As alas 10, 11, 12, 13 e 14 desfilaram muito próximas prejudicando a harmonia do desfile.”. Alguém entendeu? Eu até posso pensar em um “efeito prensa” nessas alas que tirou o espaço para os componentes dessas alas dançarem e brincarem (ou seja, estamos na área do quesito evolução), mas mesmo sem espaço, não havia nenhuma botina na garganta dos componentes e eles poderiam ainda cantar o samba livremente.

Será que ela quis dizer que a falta de espaço para a dança acabou impactando os componentes que também “resolveram” parar de cantar sem o espaço para dançar? Se foi isso, ficou faltando palavra para explicar melhor isso na justificativa.

Ainda houve em alguns lugares outra coisa que é comum eu reclamar aqui: falta de especificação do local do problema. Por exemplo, na Grande Rio ela aponta que o “canto não foi uniforme em alguns momentos”. Em que momentos? Isso é importante, porque canto não uniforme é sinal que uma parte da escola está cantando uma parte do samba e outra parte da escola outra parte do samba. Isso na Sapucaí atual é raro e só costuma ocorrer quando há queda do sistema de som. Se isso realmente ocorreu é importante a escola ficar sabendo em que setores ocorreram os problemas para estudar o que ocorreu.

Na Tijuca ela despontuou que “alguns componentes só cantavam o refrão do samba”. Em que alas? Isso é especialmente interessante saber na Tijuca que nos últimos anos tem se notabilizado por um canto avassalador. Mesmo no ano trágico de 2017, no setor 3 não vi a harmonia abalada.

O mais interessante é que em outras escolas, ela indicou o problema com mais exatidão, como na Portela quando ela despontuou um desequilíbrio entre ritmo e melodia aos 42min de desfile.

É uma julgadora que em outras Justificando também já apontei as mesmas coisas…

Módulo 4
 
Julgador: Celia Souto
  • Império – 9,8
  • Viradouro – 10 
  • Grande Rio – 9,9 
  • Salgueiro – 10
  • Beija-Flor – 10
  • Imperatriz – 9,9
  • U. da Tijuca – 10
  • São Clemente – 9,8
  • Vila Isabel – 10 
  • Portela – 10
  • Ilha – 9,9
  • Tuiuti – 9,9
  • Mangueira – 10
  • Mocidade – 10
Um caderno muito bom da julgadora, até difícil comentar algo. Justificativas claras, todas elas apontando as alas problemáticas, muito enfoque no canto da escola e menos no carro de som, dosimetria fácil de ser percebida.
 
No máximo talvez dizer que oito notas 10 em 14 talvez sejam um índice alto, mas as escolas estão trabalhando tanto suas comunidades há tanto tempo que não vejo essa quantidade de notas dez nesse quesito tão absurda.

Nas considerações finais, a julgadora enfatizou a necessidade das escolas de trabalharem “a harmonia entre intérprete, apoio, instrumentos e componentes em relação ao ritmo e melodia do canto. Faz-se necessário uma percepção auditiva da tonalidade, intervalos melódicos, métrica…” e “a adequação do ritmo e do canto, observar se os componentes estão percebendo e ouvindo o canto junto com o ritmo dos instrumentos”.

Módulo 5/6

Julgador: Bruno Marques

  • Império – 9,7
  • Viradouro – 10
  • Grande Rio – 9,9 
  • Salgueiro – 9,9
  • Beija-Flor – 9,8
  • Imperatriz – 9,7 
  • U. da Tijuca – 9,9 
  • São Clemente – 9,9 
  • Vila Isabel – 10 
  • Portela – 10
  • Ilha – 9,7
  • Tuiuti – 9,8
  • Mangueira – 10
  • Mocidade – 9,9

Inicialmente há de se destacar a valorização da nota 10 feita por este julgador. Foram apenas 4 em 14, menos de 25%, em um quesito onde se costuma sair mais de 50% de notas 10.

Melhor ainda quando tal valorização ocorre com justificativas muito claras, feitas com um capricho técnico, fazendo inclusive desenhos onde necessário para demonstrar o que se quer justificar.

Aliada a isso tudo uma dosimetria claríssima, na qual ele inclusive faz questão de explicar porque certos problemas sozinhos perderam dois décimos e outros ele aglutinou para tirar apenas um. Também foi um bom caderno no equilíbrio entre foco no carro de som e foco no canto dos componentes.

Minha única sugestão ao julgador é que ele passe a escrever as alas nas quais houve os problemas de canto justificados: ele não fez isso em nenhuma. Quando não se apontam as alas e apenas se escreve que o “canto pelas alas teve sustentação inconstante” pode dar a impressão que o julgador “inventou” motivo para tirar ponto da escola, mesmo sabendo que no caso, de forma geral, as escolas apontadas foram aquelas nas quais todos os espectadores relataram problemas na harmonia mesmo.

A única exceção a isso foi o Salgueiro, que perdeu o décimo falta de canto em algumas alas e foi a única nota sem ser 10 da escola no quesito. De qualquer forma, é o último módulo e um cansaço dos componentes as vezes acontece – e isso pode afetar a harmonia.

De forma geral, não dá para negar que foi um julgamento de bom nível em todo o quesito harmonia, onde finalmente se atingiu um equilíbrio interessante entre os julgamentos do carro de som e do canto dos componentes, mas ficou claro mais uma vez porque a LIESA precisa de forma urgente clarificar a delimitação entre harmonia e evolução.

Com certeza isso ajudará o trabalho dos próprios julgadores e diminuirá a quantidade de polêmicas no quesito sensivelmente.

Imagens: Ouro de Tolo

6 Replies to “Justificando o Injustificável 2019 – Harmonia”

  1. Ito Melodia é um dos melhores cantores do especial,mais a sua gritaria durante o desfile esta cada dia mais me incomodando,esse ano quando a bateria entrou no recuo,me parece que baixou um santo no cara,e a única coisa que ele passou a fazer foi gritar coisas sem nenhum nexo com o samba desse ano,inclusive o Incorporou que era do ano passado ,e num enredo sobre o Ceará não tinha nada haver.Não entendo,nenhum julgador falar,e nem ter escutado criticas,em lugar nenhum da imprensa.

    1. É por isso que sou um enorme defensor de um julgamento pesado para o canto dos intérpretes. FALTA INTERPRETAÇÃO!!!

  2. Sou da corrente que entende que algumas falhas podem, sim, prejudicar mais de um quesito, por serem falhas genéricas, e não específicas. Uma escultura de um homenageado, por exemplo, que passa sem a cabeça, seria penalizada em alegorias e em enredo, a meu ver, sem ninguém questionar. Portanto, não sou partidário do “bis in idem” no caso do buraco. Buraco é um erro grave a ponto de representar infração em dois quesitos. Escola não pode ter buraco. Quebra a continuidade do canto e da dança da escola. Essa é minha opinião. Um abraço, e parabéns pelo blog. Estou passando os olhos pelas postagens de 2010, paro sempre pra ler as que mais me interessam. A grande maioria dos temas e das abordagens me agrada bastante.

    1. Nessa discussão, ambos os lados tem bons argumentos. O que eu peço a LIESA é padronizar, esclarecer, escrever e por fim a discussão de uma vez por todas. Não deve ser difícil.

  3. Eu sou um enorme defensor de um julgamento preciso para o canto dos intérpretes. Num mundo do samba com cantores e sambas pasteurizados, o julgamento tem que chamar atenção para a interpretação e para harmonia vocal dos cantores dos carros de som. Tudo tem que funcionar bem: O cavaco ao cantor principal. Este ano sobrou para as cordas e mandaram aviso para o maior melodista da sapucaí – Vitor Alves. O que vejo de samba bonito e mal interpretado não tá no gibi (olha o caso da Santa Cruz..). Tem intérprete que quer encarar Espirito Santo x Sampa x Rio e não dá conta do recado voltando para sua escola carioca cansado e desgastado. Fora que os sambas são tão iguais para conterem tantas situações diferentes que a interpretação não muda. O Ito cantou um samba de duas figuras literárias como se tivesse cantando para Ndembu não respeitando o bom senso da interpretação. Achei que faltou bom senso também na Tijuca, Império Serrano, São Clemente e Salgueiro. Enfim…to gostando muito de seus textos!!

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