Quando escrevi o meu último artigo neste blog, há quase dois meses, havia prometido analisar os enredos do Grupo Especial para 2019. Certa demora de algumas agremiações, afazeres meus me deixando sem tempo, acabaram atrasando este artigo.

Neste momento, as 14 escolas do Grupo Especial já tem seus enredos definidos. No momento em que escrevo, três delas (Mocidade, Salgueiro e Imperatriz) já tem seus concorrentes divulgados. Ou seja, é hora de observar o que teremos para 2019 no principal grupo de escolas de samba cariocas.

Os esportes americanos costumam utilizar o conceito de “prateleiras” para agrupar equipes ou jogadores em grupos de qualidade/atratividade semelhantes, da melhor ou maior para a menor. Irei me utilizar deste conceito para agrupar os enredos das escolas cariocas por “afinidade”, tornando mais didático o meu pensamento.

Ao contrário do conceito original, não irei ordenar as prateleiras de enredos em “melhores” ou “piores”, à exceção da primeira prateleira e assim mesmo com ressalvas. Dito isso, vamos aos enredos:

Prateleira 1 – “Bombas Atômicas”: Portela, Salgueiro e Beija Flor

Costumo chamar de “bombas atômicas” aqueles enredos que as comunidades todo ano pedem que a escola faça, mas que nunca saem e acabam virando meio folclóricos no mundo do samba.

São temas que, a princípio, podem dar aquela motivação e emoção a mais para que a escola em questão possa buscar o campeonato.

Só que, para 2019, saíram três deles de uma vez. Por ordem de anúncio: Portela e a homenagem a Clara Nunes, Salgueiro de Xangô e a Beija Flor contando sua própria história a partir de seus grandes carnavais, segundo a sinopse divulgada ontem.

A Portela não faz um enredo homenagem desde 2000, com Getúlio Vargas – e assim mesmo não era exatamente uma homenagem – e antes disso somente em 1984, na inauguração do Sambódromo. Clara Nunes é quase que uma Divindade para a Águia, e um enredo a exaltando era um pedido antigo de dirigentes, torcedores e admiradores. A aposta é na emoção.

O Salgueiro, que vem atravessando um momento institucional atribulado após as últimas eleições – que, espera-se, tenha uma definição em breve por parte da Justiça – tem Xangô como seu Orixá padroeiro/protetor e era outro enredo pedido há anos pelos torcedores e simpatizantes da Academia. Era conhecido no meio como o “Enredo das Cinco Letras”. Das três, é a única que já divulgou seus concorrentes – eu, pessoalmente, gostei da safra.

O Beija Flor (como o lançamento do enredo frisou, retomando como a escola se denominava na década de 70) tinha por parte de seus torcedores um desejo antigo de contar a sua história e as suas histórias.

A avaliação é que as três agremiações, apesar da ordem de desfile um tanto quanto ingrata para Salgueiro e Beija Flor (quarta e quinta de domingo, respectivamente), saem um degrau à frente em relação às demais. O que não significa, necessariamente, que chegarão à frente em março.

Vale lembrar que o enredo do Salgueiro é o primeiro enredo tipicamente afro do Grupo Especial desde a Grande Rio no longínquo 1994.

Prateleira 2 – “As Histórias que a História Não Contou”: Mangueira e Tuiuti

As duas agremiações, de comunidades vizinhas – e, de certa forma, complementares – optaram por contar ou recriar episódios da História do Brasil de uma forma que não se ensina nas escolas.

O Paraíso do Tuiuti, inclusive, já divulgou seu samba oficial – acima. São enredos afins às tradições das escolas, a Tuiuti de forma mais recente. A história do bode cearense que se elege vereador é o gancho para mais uma grande crítica ao momento político atual do Brasil.

A Mangueira optou por uma crítica e recontagem de grandes episódios da História do Brasil. O carnavalesco Leandro Vieira vem se notabilizando por enredos culturais e certeza de que virá mais coisa boa no desfile da verde e rosa.

Prateleira 3 – “Abstrações, Ideias, Recriações”: Império Serrano, Viradouro, Mocidade Independente e São Clemente

São enredos bastante diferentes entre si, mas acredito que possuem um ponto em comum: permitem aos carnavalescos saírem de opções mais óbvias ou histórias mais lineares para poder divagar – à exceção, um pouco, da São Clemente.

Esta irá reeditar “E O Samba Sambou”, seu carnaval de maior destaque (1990). Uma crítica aos rumos das escolas de samba, ainda atuais hoje. Não sei até que ponto é válido reeditar o samba/desfile que é considerado o maior de sua história, mas pode ser interessante.

O Império Serrano trará como enredo e samba a música “O Que é, o Que é”, de Gonzaguinha. Transformar a música em enredo me parece bastante inteligente, até porque a letra permite diversas saídas para o desenvolvimento do desfile. Discordo e muito da música ser o samba enredo em si, mas este é tema para outro artigo. Como enredo, ok.

O enredo da Viradouro será um veículo para mais um fervilhar de ideias do carnavalesco Paulo Barros. Vamos ver no que se transforma no dia do desfile, ainda mais vindo de um ano não muito feliz na Vila Isabel.

O desfile da Mocidade terá um enredo que me lembra o desenvolvido pelo Império Serrano em 1995. Curiosamente, a Mocidade, que encerra os desfiles, também irá desfilar à luz do dia, como o Império Serrano. Os sambas já foram divulgados e, se não é uma safra especialmente inspirada, tem boas composições.

Prateleira 4 – “Acabou o Caô, o Dinheiro Chegou, o Dinheiro Chegou, ÔÔÔÔ”: Grande Rio, Tijuca, Vila Isabel e União da Ilha

Faço no título uma brincadeira emulando o grito de torcidas do Maracanã para introduzir os enredos patrocinados deste ano. Ressalto que este ano não haverá nenhuma bizarrice como o iogurte, o que já é um salto de qualidade.

A Grande Rio (segundo consta, patrocinada por uma universidade privada) abre seu desfile criticando os críticos da virada de mesa sob o argumento de que “todos cometem pequenos delitos”. Depois no desenvolvimento chega ao “poder da educação” como forma de redenção.

Sendo polido, diria que faltou um pouco de bom senso à escola em apresentar este enredo após os acontecimentos do último ano, mas a Grande Rio entendeu este episódio como forma de “educar” a população através do carnaval. O samba será encomendado.

A Unidos da Tijuca, que encerra o desfile de domingo, contará a história do pão. A sinopse tenta beber um pouco na fonte da crítica social, viaja pela história e, a meu juízo, poderia ter sido um pouco mais simples/linear. Ou mesmo mais leve – mas enfim, não sou eu o carnavalesco.

Patrocinada por uma cervejaria e pela prefeitura de Petrópolis, a Vila Isabel tem o primeiro enredo “CEP” do ano. Petrópolis, já abordada pelo Porto da Pedra em 2002, é uma cidade com uma rica história e, dentro do possível em um enredo desta natureza, é uma boa história para se contar.

E temos a União da Ilha, que com investimento a princípio de entes privados cearenses (só acredito vendo, mas o tempo dirá), fará um passeio pelo Ceará tendo o encontro entre José de Alencar e Rachel de Queiroz, dois gênios cearenses da literatura, como fio condutor.

Sabemos que a agremiação enfrenta dificuldades financeiras, mas pessoalmente tenho dúvidas se, em um ano como esse, é a melhor opção aos insulanos. Ainda mais porque posteriormente a escola foi sorteada desfilando imediatamente após a Portela, que tem uma proposta de desfile calcada na emoção pura.

Utilizando uma expressão do futebol, tenho dúvidas se o ganho financeiro valerá um possível menor ganho técnico.

Vale lembrar que um enredo parecido ao da Ilha, mas enfocando Goiás e tendo a poetisa Cora Coralina como fio condutor, foi proposto a pelo menos duas escolas. Segundo consta, a proposta financeira não foi considerada suficiente para aceitação.

Prateleira 5 – “Jogando em Outra Posição”: Imperatriz

Não consigo enquadrar a Imperatriz em nenhuma das prateleiras acima. Originalmente a ideia seria contar a história do dinheiro – algo como Vila Isabel 1995, que já abordei na coluna “Samba de Terça” – mas o enredo ganhou alguns enxertos como viagens espaciais, por exemplo. Os sambas, divulgados no último domingo, não estão dos mais inspirados.

Talvez seja o enredo mais fora das características da agremiação este ano no Especial, talvez com a Portela como companhia – mas esta nem tanto, porque o “olhar para dentro” é uma constante na azul e branco.

Enfim, os enredos do Grupo Especial para 2019 mostram um vigor surpreendente dado o momento de crise que muitos estudiosos enxergam no carnaval carioca. É um movimento salutar, que deverá se refletir em uma boa safra de sambas e em um bom desfile.

Imagens: Arquivo Ouro de Tolo

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20 Replies to “As Prateleiras de Enredos no Grupo Especial”

  1. Mesmo sem nem bem ser carnaval ainda,eu acho que vai ser difícil a União Da Ilha se manter,até por que o enredo,do ano que vem,parece ter sido escolhido de qualquer jeito,e a escola deverá ter um possível menor ganho técnico,até por vir depois da Portela.

    1. Há muita água para rolar ainda até lá – até mais um ano sem rebaixamento, não sabemos – mas sem dúvida alguma a Ilha precisa fazer sua preparação sem dar margem à mínima brecha.

  2. Muitos já estão colocando a campeã de 2019 saindo do confronto Mangueira x Portela, o que considero um erro, pois a Mocidade tem o cobiçado horário de fechar o Carnaval, Tijuca e Beija-Flor vêm fortes, e acho que a Vila Isabel esse ano vem pras cabeças. Sem contar as incógnitas Paraíso do Tuiuti e Imperatriz. Infelizmente, acho que a situação política do Salgueiro, até pelas entrelinhas contidas nos últimos acontecimentos, impactará negativamente o resultado da escola.

    Em relação aos enredos, um ótimo ano, até os patrocinados são de certa relevância cultural, só tenho a mesma preocupação do Pedro quanto ao dinheiro realmente chegar lá na Ilha do Governador. Ilha, aliás, que terá minha torcida para evitar o grande risco de descenso. Quer dizer, se tiver rebaixamento, vai que a Grande Rio precise ser salva de novo?

    Cabe também ressaltar que, mais uma vez, teremos ótimos enredos no Grupo de Acesso. A expectativa, nos dois grupos, é de sambas a altura dos enredos escolhidos. Tomara.

    1. Vamos por partes:

      1) acho natural, a priori, as pessoas colocarem este confronto. Mas somente mais perto do carnaval é que o quadro ficará mais claro;
      2) tem tempo para o Salgueiro resolver suas questões institucionais;
      3) as safras divulgadas até agora tem sido boas, mas acho que ainda não pintou aquele concorrente que me faça apertar o “repeat”;

    1. Prezado João, boa tarde

      Seria interessante que apontasse os pontos dos quais discorda, para melhor compreensão.

  3. Excelente sua análise Migão! Sempre muito criativo. E não foi nem um pouco tendencioso, rsrs. Destaco como as melhores sinopses de 2019: o texto questionador que a Mangueira traz sobre o passado do Brasil; a colagem de enredos e momentos históricos feitos pela Beija-Flor; o texto emocionado na homenagem à Clara Nunes na Portela; e as histórias da Vovó contadas no enredo da Viradouro, numa surpreendente inspiração de Paulo Barros. Mas de uma maneira geral, os enredos de 2019 são melhores do que os de 2017 e 2018 e igualam os enredos de 2016.

    1. De uma forma geral, os enredos melhoraram bastante de cinco, seis anos para cá. Obrigado pelo comentário.

  4. Bom texto Migão, parabéns!

    Alguns desses enredo (Imperatriz e Tijuca) eu já vi em uma outra avenida (Anhembi), e claro acabarei “bebendo” da obra audio-visual de forma comparativa. Evidentemente com a mente aberta de outros tempos e outro formato, que é a qualidade que o carnaval carioca proporciona. Verei o “Senhor Tempo” (aqui em Sampa com o Quintaes) duas vezes e acho o tema interessante.

    Agora estou muito curioso com o enredo da Mangueira. Acho sensacional temas que fogem das coisas óbvias e nos mostram outras realidades. Eu costumo dizer que aprendi mais de história com a Rosa Magalhães que com os livros da escola.

    Grande Rio e São Clemente achei inadequado no cenário “das viradas” que impera hoje em dia. Nem sempre assumir a “mea culpa” parece algo nobre. Pode se tornar uma tentativa de rir de quem assiste e não de si mesmo.

    Por fim Salgueiro e Portela vai cantar os seus entes queridos. Cada qual com sua relevância afetiva na comunidade, mas ambos de forma que vai com certeza inflamar o contingente, que motivado vai rasgar a Sapucaí de forma maravilhosa!

    Abraços!!!

    1. Por fim Salgueiro e Portela vão cantar os seus entes queridos”. É exatamente isso!

      O pão já foi enredo da Império da Tijuca, em 2003 – no antigo Grupo B. Sobre a Grande Rio, não vi esse negócio de “mea culpa” não. O que vi foi justamente o contrário…

      1. Caraca Migão, agora fiquei na dúvida. Se “mea culpa” é textualmente: por minha culpa e denota um certo arrependimento de nossos atos, então você acha que a Grande Rio não está assumindo nada?

        1. Nem um pouco. O enredo começa – de forma clara – criticando quem criticou a virada de mesa sob o pretexto que “quem critica também comete delitos”. A propósito, é um enredo sobre o qual, em uma mesa de bar, eu seria bem mais incisivo.

          1. Imagino o quanto “incisivo” seria. Bom, toda sorte para a comunidade de Caxias. Abraços!!!

          2. A comunidade é quem mais sofre nisso tudo, sabe? Porque a escola acaba angariando uma antipatia que aqueles que fazem o dia a dia, decididamente, não merecem.

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