por Daniel Botelho, jornalista

Os desfiles de domingo e segunda-feira credenciaram duas escolas à disputa pelo campeonato de 2018: Mangueira, a melhor escola de domingo, e Salgueiro, a melhor da segunda-feira, despontam como as favoritas ao título e prometem brigar pela taça décimo a décimo. A atual campeã, Portela, em mais um trabalho refinado da carnavalesca Rosa Magalhães, aparece como candidata à escola que pode surpreender as favoritas e levar o caneco. Seguem as considerações:

DOMINGO

Império Serrano: Sendo a escola vencedora do Grupo de Acesso do ano anterior, coube ao Império Serrano a ingrata missão de abrir a noite de desfiles do domingo. Com um enredo delicado (China) e, sobretudo, passando por dificuldades financeiras, a escola teve problemas em manter a beleza estética apresentada no primeiro setor de seu desfile, de modo que houve irregularidade em fantasias e alegorias (um dos dragões do abre-alas, por exemplo, passou apagado). A bateria e a harmonia foram destaques da escola, que teve problemas em evolução e que será punida por ter desfilado em 63 minutos (sendo o limite mínimo de 65). Dificilmente a escola escapará do retorno ao Grupo de Acesso.

São Clemente: Com um enredo “Academicamente Popular” sobre os 200 anos da Escola de Belas Artes, a escola de Botafogo, do jovem e talentoso carnavalesco Jorge Silveira, apresentou-se esteticamente muito bem vestida, com belíssimas fantasias e bonitas alegorias. Entretanto, a última alegoria, um tripé representando o incêndio ocorrido na EBA, e um elemento alegórico de uma fênix destoaram do trabalho apresentado ao longo do desfile. A comissão de frente, em apresentação em que os componentes interagiam com um elemento alegórico com led, teve problemas no segundo módulo de julgamento, visto que a estrutura em led apresentou falhas técnicas. Quesitos técnicos, como bateria e harmonia (histórico problema da escola) devem fazer com que a agremiação lute contra o rebaixamento, apesar do bom trabalho de seu carnavalesco.

Vila Isabel: Falando do futuro, a escola de Noel e Martinho da Vila, que completou 80 anos no exato momento em que entrava na Avenida como destaque do abre-alas, abusou da tecnologia para tratar de seu enredo. A comissão de frente da escola, comandada por Alex Neoral, que teve cerca de 20 dias de preparação, apresentou-se com elementos de led que formavam o nome “Vila Isabel” durante a apresentação para os jurados. O abre-alas era composta por diversas coroas, todas iluminadas, e teve o aniversariante Martinho da Vila como destaque. O conjunto alegórico teve o estilo característico de Paulo Barros, com efeitos especiais e presença de componentes ativos, que faziam parte da composição do carro. Muita gente pendurada, fazendo acrobacias e outros tipos de malabarismos, recurso que considero meramente decorativo, desnecessário e um tanto quanto perigoso, vale apenas pelo show. As fantasias apresentaram um tom metalizado repetitivo, e todas pareciam ser muito pesadas, dificultando assim a evolução de seus componentes. Uma das fantasias apresentava uma roda de cada lado, de modo que o rosto do componente era totalmente coberto pelas laterais da fantasia, dificultando assim a avaliação da harmonia. A bateria comandada pelo mestre Chuvisco, envolvida em muitas polêmicas pré-Carnaval, não passou tão acelerada como previam seus críticos e contribui para o bom andamento do samba. O intérprete Igor Sorriso deu show cantando um samba não tão bom quanto nos acostumou a escola de André Diniz, Martinho e Arlindo Cruz. A Azul e Branco do bairro de Noel deve voltar nas Campeãs.

Paraíso do Tuiuti: A escola sensação do Carnaval 2018. Com o enredo contando a história da escravidão, a escola de São Cristóvão levantou o público e gerou comentários por todo o país. Em um belíssimo trabalho de Jack Vasconcellos, a escola apresentou um desfile repleto de emoção e crítica social. A comissão de frente emocionou o público, conquistou o Estandarte de Ouro e, na minha opinião, foi o maior momento desse Carnaval. Os componentes interpretavam um grupo de escravos sendo massacrados pelo Capitão do Mato; esse grupo passava pelo tripé (representando uma senzala) e saía do outro lado já como pretos-velhos, que ressuscitariam o escravo morto após o massacre. Uma belíssima apresentação que levantou a Sapucaí (contudo, ainda no primeiro módulo, um dos dançarinos deixou cair um adereço durante a apresentação, o que deve ser penalizado). O samba, dos melhores do ano, passou muito bem, com um andamento um pouco mais acelerado. O enredo foi muitíssimo bem desenvolvido, tendo como ponto alto as fantasias que criticavam as atuais reformas propostas pelo governo, os manifestantes manipulados pelos poderosos, e o destaque na última alegoria, o “Vampiro Neoliberal” representando o presidente Michel Temer. Um desfile credenciado a voltar nas Campeãs, mas que deve sofrer nas notas por não ser uma bandeira tão forte.

Grande Rio: O início do desfile anunciava uma escola credenciada a brigar pelo título, na estreia do casal Lage. Alegorias e fantasias belíssimas, apesar da pequena confusão no desenvolvimento do enredo, apresentavam uma Grande Rio muito forte. Entretanto, o problema que impediu o último carro da escola de entrar na Avenida comprometeu alguns quesitos da escola, como Enredo, Alegorias e Adereços, Bateria, Harmonia e, principalmente, Evolução. A escola ainda estourou sua apresentação em cinco minutos. O samba, visto por muitos como o pior do Grupo Especial, conseguiu render satisfatoriamente, apesar de ser executado (estranhamente) um pouco mais pra trás, contrariando a tendência de se acelerar sambas menos qualificados. Dados os problemas, a Grande Rio deveria lutar décimo a décimo contra o rebaixamento, contudo, dada a força política da escola, acredito que a agremiação de Caxias passe longe da queda com tranquilidade.

Mangueira: Com mais um enredo crítico nesse Carnaval, e mais um belo trabalho de Leandro Vieira à frente da Verde Rosa, a Mangueira se credenciou ao título e desponta como favorita ao campeonato (ao lado do Salgueiro). Com belo conjunto alegórico e lindas fantasias, a escola, junto à Portela, foi quem melhor desenvolveu seu enredo esse ano, com críticas sobretudo ao prefeito Marcelo Crivella. Destaque para a última ala, chamada informalmente de “Blocão da Mangueira”, com muitos foliões trajados com lindas fantasias concebidas pelo carnavalesco da escola. A dificuldade com alguns carros alegóricos fez com que a escola visse sua evolução um pouco ameaçada, mas nada que comprometa muito o quesito. Vai disputar o título décimo a décimo com o Salgueiro.

Mocidade: Em defesa do título, a escola de Padre Miguel teve como enredo a Índia, e contou com o melhor samba do Grupo Especial desse ano. A verde e branco apresentou uma comissão de frente que não levantou tanto o público como o tapete voador do ano passado, mas que fez uma apresentação bem razoável. O conjunto alegórico mostrou-se irregular e alguns carros apresentaram problemas de acabamento, sobretudo a última alegoria. O desenvolvimento do enredo mostrou-se frágil ao estabelecer a relação Índia-Brasil. A bateria, a mais cadenciada desse Carnaval, deu show, aliada ao lindíssimo samba da escola, mas não chegou a levantar o público da Sapucaí. Destaque-se o péssimo sistema de som do Sambódromo (ruim para todas as escolas) e a apresentação de Wander Pires, repleta de cacos e gemidos de qualidade um tanto quanto duvidosa. A evolução da escola foi arrastada, dado o andamento do samba (muito cantado pelos componentes) e enfrentou problemas quando o abre-alas teve dificuldades na dispersão, de modo que a escola ficou parada por um bom tempo. Uma apresentação que prometia mais e ficou devendo, que deve fazer com que a Mocidade fique longe da disputa do título, mas que esteja na briga pela última vaga nas campeãs.

SEGUNDA-FEIRA

Unidos da Tijuca: Depois de um trágico 2017, a escola do Borel mostrou que as lágrimas que rolaram outrora já não rolam mais, se rolarem é de emoção, assim como diz seu samba, que se despertava preocupação, passou muito bem na Avenida, em mais uma apresentação excelente de Tinga, ganhador de mais um Estandarte, e da bateria do Mestre Casagrande. Houve irregularidade nas alegorias e nas fantasias, apesar de apresentarem o enredo de forma relativamente satisfatória. O homenageado, Miguel Fallabela, surgiu apenas no último carro. Nos quesitos técnicos, como Bateria, Evolução e Harmonia, a escola deve gabaritar, entrando firme na briga por uma vaga nas campeãs.

Portela: Mais um desfile da Azul e Branco de Madureira que a qualifica como postulante ao título. A craque Rosa Magalhães deu mais uma aula de enredo na Sapucaí, tendo sido o desenvolvimento portelense o melhor, ao lado da Estação Primeira. As alegorias mais enxutas, características de Rosa, não se configuraram um problema e contaram muito bem a história dos imigrantes que fundaram Nova York. Entretanto, algumas alegorias apresentaram pequenos problemas de acabamento, como a segunda, em que um tatu gigante apresentou falhas de acabamento em seu lado direito. O samba funcionou, assim como havia funcionado no ensaio técnico. Quase perfeita tecnicamente, a escola de Madureira está abaixo de Salgueiro e Mangueira, mas pode beliscar a vigésima-terceira estrela.

União da Ilha: Falando sobre comida, a escola da Ilha do Governador apresentou sua tradicional irreverência já na comissão de frente, onde componentes adquiriam uma barriga cenográfica enorme após tanto comerem, o que arrancou algumas risadas do público. O carnavalesco Severo Luzardo mais uma vez demonstrou bom gosto na execução de alegorias e fantasias, apesar de alguns pequenos deslizes. O desenvolvimento do enredo ficou aquém do esperado, sendo um pouco repetitivo. A bateria e o intérprete Ito Melodia mais uma vez se destacaram, salvando um samba muito criticado no pré-Carnaval. A União da Ilha deve permanecer no Especial com certa tranquilidade, mas nada mais do que isso.

Salgueiro: O principal favorito ao título. O enredo sobre as mães negras africanas, salvo alguns problemas em acabamento de alegorias, foi brilhantemente desenvolvido pelo carnavalesco Alex de Souza, honrando a tradição e a excelência salgueirense ao falar de África. A abertura da escola, predominantemente em tons de laranja, foi a mais bonita desse Carnaval. O primeiro setor, com fantasias com cores mescladas e detalhes em dourado era lindíssimo. O samba, sempre polêmico quando o assunto é Salgueiro e suas polêmicas disputas, rendeu bem no desfile, sendo cantado forte por toda a escola, como havíamos acompanhado nos ensaios de rua. A escola fez um desfile tecnicamente perfeito, é muito difícil encontrar um quesito onde a escola possa perder décimos. Pra mim, é a maior favorita ao título.

Imperatriz: Contando a história bicentenária do Museu Nacional, a Rainha de Ramos abriu seu desfile com uma emocionante homenagem ao histórico casal Maria Helena e Chiquinho, que por muitas anos defendeu a Verde e Branco. A comissão de frente lembrou um pouco as clássicas comissões da Imperatriz dos Anos 90. O abre-alas apresentou problemas técnicos, de modo que a tradicional coroa não ficou visível ao público nem ao júri. A escola apresentou um conjunto alegórico um pouco abaixo do que costuma apresentar. Em termos de evolução, a escola enfrentou alguns problemas, contrariando sua fama de “Certinha de Ramos”. Boa parte das alas coreografadas fez com que a evolução ficasse comprometida, de modo que os componentes ficaram restritos à coreografia, sem poder realmente evoluir com desenvoltura. Ao final do desfile, a escola precisou acelerar seu ritmo, terminando exatamente com uma hora e quatorze minutos, quase estourando o tempo limite. O samba, um dos melhores do ano, foi interpretado com qualidade em mais uma boa apresentação de Artur Franco, acompanhado pela bateria de mestre Lolo. A escola de Ramos deve ficar na zona intermediária da disputa, nada além disso.

Beija-Flor: Última escola na Avenida, a Beija-Flor trouxe um enredo social intitulado “Monstro é aquele que não sabe amar: os filhos abandonados da Pátria que os pariu”, desenvolvido pelo coreógrafo Marcelo Misailidis, e que certamente foi o desfile mais polêmico do Carnaval 2018, gerando elogios e críticas, despertando ódio e paixão. Com relação a Samba-Enredo, Harmonia e Bateria, não há o que se criticar, foram apresentações que levantaram a Sapucaí como nenhum outro desfile fez em 2018.Porém, com relação a desenvolvimento de enredo, na minha avaliação, foi a pior escola do Grupo Especial. Uma verdadeira salada de frutas, um show de senso comum, estereótipos, reproduções literais, sem qualquer fio condutor, linha lógica ou coisas do tipo. Ideias foram jogadas, apenas: de Pablo Vittar à Petrobras, passando por tanques de guerra com bandeiras de clubes, crítica a padrões de beleza, revolta contra a corrupção, baratas, ratos e palhaços. Fantasias muito ruins, excluindo-se o último setor, onde havia um mínimo bom gosto que nos fez relembrar a soberana Beija-Flor de Nilópolis. Em termos de alegoria, digo que assisti a escolas do Acesso superiores ao apresentado pela agremiação de Nilópolis (Unidos de Padre Miguel, Viradouro, Cubango, Estácio, Porto da Pedra, pra ficar em alguns exemplos). Carros com acabamento precário, de confusa interpretação, alguns com representações, por exemplo, de PMs baleados, de estudantes em caixões, de alunos dando tiros em sala de aula, fugiram do mínimo bom senso. A crítica é também ideológica, mas, sobretudo, estética. Esse desfile da Beija-Flor foi, provavelmente, o mais precário esteticamente de sua história. Porém, dada a força política da escola, e a inegável qualidade de alguns quesitos já citados, creio que a escola de Nilópolis deva voltar no Desfile das Campeãs.

Fotos: Divulgação Mangueira e Alex Nunes

[related_posts limit=”3″]

2 Replies to “O que vi na Sapucaí”

  1. Lamento seus ataques, falta de educação e frases jocosas. Falei de julgamento de fantasia, alegoria e enredo, não de política e ou que o desfile foi ruim, elogiei muito o chão da escola. Se a Beija-Flor ganhar 22 carnavais seguidos não vai mudar a minha vida em nada, mas tenho o direito de criticar o que eu não acho certo, não sou obrigado a ter a mesma opinião do que você e ninguém. Mas você e outros mal educados por aí não sabem discernir análise e só vêm com os ataques e argumentos vazios de sempre, de que a escola é perseguida, ganha contra tudo e contra todos, que tem panelinha de jornalistas (aliás, vários deles que criticaram as fantasias e alegorias da Beija-Flor são torcedores apaixonados da escola), que somos antis e etc Opinião não tira taça de ninguém e a briosa comunidade nilopolitana, que sempre foi respeitosa comigo, tem que comemorar mesmo cantando esse maravilhoso samba que já está na história do carnaval.

Comments are closed.