Está chegando mais um Carnaval.

As escolas de samba batalham contra o tempo para deixar seus carnavais prontos. Ateliê, barracão, ensaios, todas as escolas do grupo principal ao último em pleno vapor para tudo ficar pronto em tempo.

Mas esse ano uma não fará isso e me incomoda, me entristece.

Falo do Boi da Ilha do Governador. Escola de samba que começou como bloco cinquenta e três anos atrás e nesse ano faz trinta anos como escola de samba. Faz porque não encerrou suas atividades, não “enrolou a bandeira” como se diz no meio, mas não irá desfilar no Carnaval de 2018.

Não desfilará por vários motivos. Pela direção dos desfiles da Intendente Magalhães, que determinou que várias agremiações não fariam parte dos seus quadros em 2018 colocando no lugar outras que nunca ouvimos falar e nem sabemos como surgiram (fizeram isso com várias escolas e agora reclamam que a Prefeitura estaria matando escolas da Intendente), por direções incompetentes que teve nos últimos anos e foram responsáveis por sua derrocada – dez anos atrás a escola estava forte no Grupo B, na Marquês de Sapucaí, com enredo sobre Gaia e um concurso de samba que teve compositores fortes da Ilha do Governador pelo fato de a União reeditar naquele período e que fez final com quadra lotada na Portuguesa.

Decaiu pelas constantes brigas internas que ocorreram na agremiação nos últimos anos. A escola, que já era pequena, com poucas pessoas, rachou e aí que eu entro.

Sem soberba, digo que sou um dos nomes mais importantes da história do Boi da Ilha, mas com humildade hoje, fora do calor dos acontecimentos, posso dizer que tenho, sim, minha parcela pelo que ocorre atualmente com a escola.

Atuei no Boi entre 1997 e 2014 exclusivamente como compositor. Não me preocupava se a escola tinha problemas ou direções incompetentes. Eu chegava lá, fazia meu samba e quando ganhava acompanhava o Boi até a avenida, me preocupava com as notas do samba e pronto, as notas 10 eram minha parte independentemente da classificação final. Quando perdia o samba, nem isso, frequentava a escola por ser na esquina da minha casa, mas sem compromisso nenhum.

No Carnaval de 2014 isso mudou quando faltando três dias para o desfile anunciaram que o Boi não desfilaria. Ali comecei um movimento junto com Cadinho e Junior Nova Geração para que o Boi desfilasse nem que fosse apenas com a bandeira e um surdo. Todos se mobilizaram, a direção da agremiação voltou atrás e o Boi desfilou. Desfile péssimo com mais um rebaixamento, mas desfilou.

Ali, no meio daquele desfile catastrófico, tive a ideia do “Reage Boi” e no dia da apuração fiz a página do movimento, o restante da história vocês que me acompanham conhecem.

A ideia era muito boa, nossa união com a direção da escola também. Fizemos uma feijoada na rua da quadra antiga da escola com mais de 300 pessoas e que até ministro apareceu. O Boi estava forte, unido, resgatando pessoas, com enredo maravilhoso sobre os 50 anos de sua criação, ideia para criação de programa de sócios, reuniões online em que todos podiam acompanhar, o Boi era a escola mais falada da Intendente e tudo caminhava para um desfile consagrador.

Até entrar a vaidade no meio.

Sempre acusamos a direção da época do Boi de vaidosa e incompetente. Não estávamos errados, mantenho tudo isso, mas vaidosos também éramos. Os dois lados nunca foram um apenas tendo atritos o tempo todo, eu no meio tentava contornar a situação até pelo menos o carnaval. O grupo do presidente Gino Mandriola queria comandar, o nosso grupo queria comandar e fazer do Gino uma rainha da Inglaterra.

Até o momento que ocorreu a cisão em um erro meu. Quando o Gino tirou um dos nossos da representação do Boi na Associação das escolas e eu em vez de ser político, chamar o Gino em um canto para conversar, contornar a situação declarei guerra saindo da direção e com isso meu grupo me acompanhando. Eu era o único ali ainda não contaminado pelas brigas, enfrentamento, era o único que ainda podia manter aquilo unido e errei.

Depois vieram as brigas que todo mundo acompanhou antes do carnaval 2015. Briga que eu e meu grupo podíamos ter evitado, podíamos ter feito um pacto com a direção de mesmo fora não ocorrerem brigas até o carnaval e depois dele sim fazer tudo que se devia. Não fizemos isso, continuamos no confronto e mesmo perto do carnaval nas vezes que propusemos ajuda não foi sincero. Hoje sei disso, só queríamos expor a situação que a direção conduzia a escola e mostrar aos outros que queríamos ajudar e eles que não aceitaram. Sabíamos que não aceitariam e por isso oferecemos.

O desfile foi o desastre que foi e depois teve a briga na eleição, briga que poderia ter sido contornada. Em nenhum momento quisemos apaziguar com aquela direção. Queríamos briga, queríamos aqueles incompetentes fora da agremiação, queríamos o poder a todo custo e até na justiça tentamos. Nenhum momento chegamos neles e falamos “Vamos conversar, só a escola está perdendo com isso”. Sim, teria que partir de nós isso porque como eu disse antes eles além de vaidosos eram incompetentes e competência nós tínhamos. Mas nossa vaidade não deixou enxergar o que ocorria.

Hoje acho a criação da Nação Insulana um erro. Nós perdemos na situação do Boi, não conseguimos participar das eleições. Hoje penso que o certo era deixar pra lá, liberar quem quisesse do “Reage Boi” participar da nova direção e quem não quisesse fosse fazer outras coisas até porque aquela direção nova não ficaria muito tempo, uma hora iria cansar das adversidades que dirigir o Boi trariam, o que acabou acontecendo. Quando isso ocorresse o grupo poderia enfim assumir a agremiação sem brigas, naturalmente.

A continuação da briga, a vaidade que não deixava admitir derrota e que nos fazia querer esfregar na cara deles e de todos a qualquer custo que éramos melhores que eles fez surgir a Nação. Conseguimos provar para todos que éramos melhores, já que a Nação venceu facilmente o confronto. Mas essa nossa vaidade golpeou o Boi de morte porque passou a todos a impressão que o Boi não era mais necessário, que já existia uma nova escola para seu lugar e abandonaram o Boi da Ilha. Vaidade nossa tudo isso, vaidade que superou nossa competência porque eu saí logo após o carnaval por vaidade e quase todo “Reage Boi” saiu da Nação um ano depois quando a agremiação foi rebaixada também no meio de uma briga de egos. Era a prova que tínhamos boas intenções, mas a vaidade era maior porque não conseguimos segurar nossos egos nem por mais de um ano estando no poder.

Errei como líder daquele grupo. Errei quando fiz da boa ideia do “Reage Boi” um “grupo de guerra” e quando concordei em criar uma escola para enfrentar o Boi porque a Nação hoje passa por todas as dificuldades que o Boi passava. A ideia era ótima, as pessoas eram ótimas, a forma do surgimento foi inovador, o pensamento era revolucionar e acabamos apenas criando mais uma escola pequena submersa em dificuldades que age como todas as outras e sobrevive da forma que dá procurando mecenas e enredos que tragam algo. Para isso não precisava de uma escola nova, o Boi era assim.

O destino ainda me ajudou a não cometer o maior fracasso que seria ser presidente do Boi. Não nasci para ser dirigente de escola de samba. Não tenho vocação nem talento para isso, meu negócio sempre foi compor. Sou artista, não gestor. Minha experiência na Nação mostrou isso, sair porque fiquei de saco cheio mostrou isso, eu teria feito o mesmo no Boi e teria decepcionado todo mundo que apoiou.

A Ilha do Governador pode criar 100 escolas de samba que continuará sendo assim, os resultados dos desfiles das quatro agremiações insulanas todos os anos mostra como somos atrasados em organização e profissionalismo. Desde que comecei no samba em 1997 as mesmas pessoas comandam o carnaval insulano sendo como gestão ou na pista como responsáveis por botar a escola na avenida e o pensamento sempre foi o mesmo, o de brigar, não aglutinar, o de querer sempre ter razão, nunca ceder, o de guerrear e morrer atirando, mesmo que um desses tiros atinja aquilo que queremos salvar.

Não é coincidência você andar na rua e já ver banner por todos os lados com foto de pré-candidato a presidente da União da Ilha mesmo longe das eleições, mesmo que essa situação da União tenha nada a ver com a população do bairro em sua maioria e mesmo que 99% das pessoas que vejam esses banners não tenham direito a voto na União. O que vale é a vaidade.

Pena que eu tenha percebido tão tarde, mas nunca é tarde o suficiente para consertar. Em alguns anos o Boi volta e tentarei contribuir da forma que sei. Sem vaidades até porque a nossa força sempre veio da humildade.

Por enquanto só posso pedir desculpas.

Twitter – @aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

8 Replies to “A falta que o Boi faz”

  1. “Em alguns anos o Boi volta”… Peraí, o tempo de afastamento das escolas rebaixadas no Grupo de Avaliação não é só de um ano?

  2. Hoje não existe mais essa rivalidade toda e acredito que uma parte do Boi saia na Nação, o problema é que a Liesb quer escolas novas nos lugar das antigas e acredito que em curto espaço de tempo só reste a União da Ilha no bairro

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