(por Rachel Serodio de Menezes, advogada especialista em Direito de Família)

Há poucos dias um pai matou os dois filhos a facadas – a filha mulher levou 14 facadas, se jogou do 5º andar e deixou um bilhete perguntando para a mãe dos filhos cadê a poderosa? Não vai ficar com a guarda de nenhum dos dois e também não vai me colocar na cadeia!!! kkkkk !!!” 

Não é filme, não é série. É real. Homens ainda matam os filhos para se vingar das mulheres que não mais aceitam se relacionar com eles.

Questiona a mídia como após um acordo de guarda em um processo de divórcio um dos filhos estaria morando com o pai. Há quem diga que a culpa da morte tenha sido da mãe pois deixou as crianças com ele. Ainda em 2017, em uma sociedade machista e patriarcal, o rumo da vida dos filhos é de responsabilidade única e exclusiva das mulheres. O fim das famílias também à elas é atribuída. Mas estamos a passo de cágados evoluindo.

Em sua entrevista para o Extra a mãe afirma ser o pai de seus filhos possessivo, controlador, ciumento “um senhor feudal”. Ressalta ainda que ele era apaixonado pelos filhos e fazia tudo por eles, o que corrobora cada vez mais que o crime inicialmente cometido era para atingir a ex mulher.

Como real propriedade do ex marido, Andréia teria que pagar pelo resto da vida pela escolha de não querer mais se manter nesta relação abusiva. E Cesar, o pai de seus filhos, não satisfeito com todas as alienações perpetradas, optou pelo pior. Acabar com a vida dele e de sua propriedade, os filhos.

Sim, os machistas abusivos não enxergam mulheres e filhos como seres humanos independentes e únicos. Ao revés, desconsideram as emoções destes e os tratam como bem móvel. Os consultórios terapêuticos estão lotados de vítimas deles. O judiciário não possui habilidade para lidar com processos onde eles são parte.

O resultado mais trágico está ai. A desconstrução do machismo no seio familiar é inexoravelmente trabalhosa diante de toda raiz e parcimônia social com o mesmo.

Há quem questionará que Cesar era depressivo e fazia tratamento psiquiátrico, mas este argumento se perde quando analisamos a miúde a afirmativa de Andreia de que nesse último ano, várias vezes estive para entrar com denúncia de alienação parental. Quando Bernardo ficava com ele, voltava dizendo que eu tinha acabado com a nossa família. ”

E ai está o cerne da celeuma. A alienação parental em estágio avançado desencadeia situações como alhures relembrada.

Outras, não tão trágicas como dar cabo à vidas, mas absortamente cruéis e com cenários emocionalmente repugnantes se repetem diariamente nos corredores forenses e consultórios terapêuticos. A alienação parental é a forma mais trágica e cruel de manipulação de sentimentos familiares, em especial quando dirigida às crianças, seres em total construção emocional.

Exemplos clássicos da configuração da alienação parental são as práticas de um conjunto de atos pelos quais um genitor (ou quem detenha autoridade) transforma a consciência de seus filhos mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir os vínculos daquele filho com o outro genitor de forma reiterada, até que o sentimento da criança se tornem contraditórios em relação àqueles.

Em outras palavras, significa dizer que a síndrome da alienação parental é mais que uma lavagem cerebral ou uma programação, tendo em vista que, para configurar-se, requer a participação efetiva da criança na depreciação de quem é alienado.

Os estudiosos do tema afirmam que a Síndrome da Alienação Parental se opera por meio de cinco passos (www.unipac.com.br):

  • A criança denigre o genitor alienado com linguajar impróprio e severo comportamento opositor, muitas vezes utilizando-se de argumentos do genitor alienado e não dela própria; para isso, dá motivos fracos, absurdos e frívolos para sua raiva.
  • Declara que ela mesmo teve a ideia de denegrir o genitor alienado. O fenômeno do “pensador independente” acontece quando a criança garante que ninguém disse aquilo a ela
  • O filho apoia e sente a necessidade de proteger o genitor alienante. Com isso, estabelece um pacto de lealdade com o genitor alienador em função da dependência emocional e material, demonstrando medo em desagradar ou opor-se a ele
  • Menciona locais onde nunca esteve, que não esteve na data em que é relatado um acontecimento de suposta agressão física/sexual ou descreve situações vividamente que nunca poderia ter experimentado – implantação de falsas memórias”
  • A animosidade é espalhada para também incluir amigos e/ou outros membros da família do genitor alienado.

No caso específico, Andréia afirma que pediu o afastamento de Cesar do convívio com as crianças pois sempre que o filho do casal retornava da casa do genitor afirmava que Andreia havia acabado com a família. Tal afirmativa do menor, por si só, já configura flagrante alienação parental.

Como já afirmado, a alienação parental é um dos principais instrumentos de vingança entre genitores, sendo um termo proposto por Richard Gardner, em 1985, para a situação em que a mãe, pai, ou qualquer um que exerça autoridade sobre uma criança/adolescente a treina para romper os laços afetivos com outro genitor ou parente e que insere emocionalmente nos envolvidos fortes sentimentos de ansiedade e temor.

Trazendo um pouco à técnica, o parágrafo único do artigo 4º do Estatuto da Criança e Adolescente especifica, de forma meramente exemplificativa, quais as políticas públicas que podem ser efetivadas a fim de alcançar a garantia constitucional de absoluta prioridade do menor, enquanto o artigo 6º da mesma lei classifica a criança e o adolescente como sendo pessoas em desenvolvimento, que têm garantido, de forma absolutamente prioritária, o seu melhor interesse.

Em situações de alienação parental denota-se claramente ser deixado de lado quando os genitores, de forma geral, alienam seus filhos.

Em agosto de 2010 foi editada a lei 12.318 que, em linhas gerais, conceitua a prática da síndrome de alienação parental tendo em seu artigo 2º, de forma também exemplificativa, a pontuação de alguns destes atos, quais sejam:

  • (i) – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
  • (ii) dificultar o exercício da autoridade parental;
  • (iii) – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
  • (iv)- dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
  • (v) – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço,
  • (vi) – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
  • (vii) – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Referidos atos alienação ou de privação de convivência perpetrados por um daqueles que exerça autoridade sobre o menor poderão ser comprovados através do estudo psicológico e social de todos os envolvidos. Neste caso, sendo de fato averiguado a malfadada prática, o artigo 6ºda lei 12308/10 confere ao juiz de forma cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, avaliando sempre a gravidade do caso, tomar as seguintes providências:

  • (i) advertir o alienador;
  • (ii) ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
  • (iii) – estipular multa ao alienador
  • (iv) determinar acompanhamento psicológico
  • (v) – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
  • (vi) – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
  • (vii)  – declarar a suspensão da autoridade parental.

Em uma primeira análise a lei supre as expectativas esperançosas daqueles que se deparam com a crueldade diária da alienação, todavia, a morosidade do judiciário, o descaso com a prestação jurisdicional na exigência de formalidades em detrimento da instrumentalidade das formas, as urgências necessárias e a falta de servidores técnicos auxiliares do juízo impedem na maior parte das vezes que sejam evitados danos psicológicos ou até mesmo físicos, muitas vezes irreversíveis.

A alienação parental deve ser vista sempre como uma forma violência silenciosa e jamais com parcimônia, especialmente diante do crescimento infantil permeado de deturpações na formação de seus vínculos afetivos e emocionais.

Hodiernamente, diante da maior facilidade e praticidades do fim das relações conjugais, aquele que se sente injustiçado com o fim da relação, muitas vezes cai no abismo da síndrome da alienação parental sem se dar conta que esta prática prejudica sem maiores dúvidas o menor envolvido.

O caso trazido de exemplo no início e com grande repercussão na mídia nada mais é que um desdobramento infeliz de uma sucessão de posturas alienadoras que o Judiciário fechou os olhos. Não se pretende aqui afirmar qual seria o desfecho do caso; todavia, independentemente deste exemplo pontual, no dia a dia, longe da maior parte, os Tribunais estão cheios de litígios envolvendo alienações parentais em suas mais variadas formas.

Diante deste cenário perturbador, deve-se ser considerado o princípio da prioridade absoluta da proteção ao menor e fundi-lo com o estado vulnerável e frágil em que os menores de 18 anos se encontram, merecendo sempre qualquer anteposição em sua formação.

Que possamos identificar sempre tais atos. Caso contrário, teremos mais Andréia, César, além de muitas outras tragédias de cunho familiar.

Bibliografia

Alienação parental. O uso dos filhos como instrumento de vingança entre pais, Editora Juruá, 2013 – Jussara Schmit Sandri

Incesto e Alienação Parental – Realidade que a Justiça insiste em não ver – Maria Berenice Dias, 2010 – editora RT

Link: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI26732,21048Sindrome+da+alienacao+parental+o+que+e+isso

www.planalto.gov.br

http://www4.tjrj.jus.br/ejuris/ConsultarJurisprudencia.aspx

Imagens: Reprodução

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3 Replies to “Sobre a Alienação Parental”

  1. Sou Vítima dessa doença, desse mal que muitas pessoas tratam com naturalidade, mas pode acabar com o psicológico de uma criança. Desde que me separei em 2008 consegui pegar minha filha algumas vezes depois fizeram a cabeça dela hoje com 13 anos não quer mais me ver nem se quer liga ou aceita uma amizade no face. Enquanto o processo continua rolando a anos na justiça.

  2. Acho que a justiça deveria fazer algo contra esses alienadores, pois eles conseguem tirar o melhor presente que Deus nos deu “os Filhos” que houvesse penalidades mais severas e agilidades nos processos é muito triste passar por isso e não poder fazer nada. essas pessoas são doentes e deveriam pagar pelo que faz.

  3. Minha filha Tinha apenas 04 anos quando separamos, conforme acordo feito na justiça meu direito de visitas era quinzenal mas não durou muito e logo o pior aconteceu, fizeram a cabeça da minha filha e que mais escutava era dela era o “não” pra tudo, pra levar ela até minha casa para passear para brincar etc; além das coisas que houvia da boca dela que não queria presente meu, e outras palavras que eles falava pra ela me colocando como uma pessoa má e indisciplinado,etc;

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