O carnaval tem uma construção cronológica cruel. Ele demora tanto a chegar, é tão aguardado e, quando chega, vai embora depressa, quase sem que percebamos. Toda aquela expectativa já virou pó no meu e em todos os demais corações carnavalescos, acredito. Aquele vazio em forma de abstinência. Já quero um enredo na minha mesa agora.

Tem isso, afinal: o fim de um carnaval já significa automaticamente o começo de outro. E a primeira etapa é justamente analisar o que se passou nos quatro dias de folia e principalmente tirar lições valiosas para o crescimento da festa.

E acho que há muito tempo não víamos um carnaval com tanta coisa a ensinar.

Acho que não cheguei a escrever isso aqui, mas vinha falando há algum tempo nas redes sociais que o carnaval precisa urgentemente rever essa megalomania insana que tomou conta dos desfiles. Poderia ser oportunista e dizer que estava pensando justamente na questão da segurança, mas confesso que jamais pensei em ver cenas horrorosas como o atropelamento em massa da alegoria da Paraíso do Tuiuti ou o desabamento do teto do carro da Unidos da Tijuca.

É amadorismo demais até para mim, que tanto uso essa palavra para adjetivar a gestão da festa. Por essa eu realmente não esperava. Ainda assim, são dois exemplos que me fazem carregar nas tintas desse discurso de que não dá mais para sustentar esse padrão absurdo de luxo que se exige atualmente.

Para início de conversa, o espetáculo é bastante cansativo. Vai escola, vem escola e o público vê sempre a mesma coisa. Entra a comissão de frente, vem um carro alegórico luxuoso e impactante, depois vem outro, e outro, e outro, sempre separados por um punhado de fantasias.

Para o público em geral, que não acompanha as peculiaridades de cada projeto carnavalesco, é bonito, mas é como ver 12 vezes a mesma coisa. Principalmente em enredos como o da Imperatriz (só para ficar em um exemplo) onde a própria imagem de índios e mais índios em forma de carro alegórico já está na mente de 99% dos brasileiros. O resultado é um espetáculo agradável aos olhos, mas desinteressante para quem vê pela televisão.

Os poucos (pensando na escala nacional) que estão na Sapucaí até se empolgam com o calor humano que a TV não consegue captar, mas também é algo frágil. É triste, mas compreensível ver as arquibancadas se esvaziando ao longo da madrugada – embora esse ano tenha havido uma melhora nesse sentido.

O pior de tudo, e aí começamos a chegar em um ponto de convergência com os acidentes, é que isso tem um custo surreal. A presidente do Salgueiro, Regina Celi, afirmou ter gasto 10 milhões de reais no desfile desse ano. É um direito dela. Pode gastar até 50.

Mas a troco de quê? Dessa estética repetitiva? Romper com esse padrão, além de oxigenar o espetáculo, seria muito mais barato. Por que seis alegorias, afinal? Cinco já me parece muito, mas é um número aceitável. E isso não significa apequenar o espetáculo e sim adaptá-lo.

Há de se buscar outras soluções estéticas. Paulo Barros mostrou o caminho das pedras lá em 2004, com o carro do DNA, e reafirmou isso ao ganhar um título com a comissão de frente em 2010: o público gosta de “alegorias humanas”. Não se chama a escola de samba de “ópera popular”? Pois então, por que não transformar os carros em cenários para encenações? Seria muito mais barato, implicaria em um visual muito mais bonito (convenhamos, não me recordo de um desfile sem pelo menos um carro completamente dispensável esteticamente), facilitaria a compreensão do enredo e ainda surpreenderia o público a cada desfile, já que cada carnavalesco buscaria suas soluções.

A Beija-Flor tentou fazer algo parecido. Ao acabar com as alas, criou uma overdose de cores e optou por contar o seu enredo através de encenações que precediam os carros, que atuaram como os tais cenários. O problema esteve aí: a obrigatoriedade burra do regulamento de se fazer as alegorias, amarrou a revolução estética à estrutura padrão do desfile.

Ou seja: ficou tudo igual… mas diferente. E um diferente estranho, com uma estrutura de enredo que soou preguiçosa e ao mesmo tempo confusa. Se houvesse liberdade para estruturar o desfile como bem entendesse, a Beija-Flor poderia ter mudado os rumos do carnaval. Não conseguiu, embora mesmo com todas essas amarras tenha feito, no meu modo de ver, o desfile mais correto do ano e merecesse posição muito melhor. Infelizmente, se essa mudança de rumo acontecer a partir de agora, terá sido às custas de uma (ou melhor, de várias) desgraças.

Escrevo a mais ou menos uns 450 quilômetros da Marquês de Sapucaí. Tenho zero experiência ou formação em engenharia ou em gestão de escola de samba. Por isso, não posso afirmar qualquer coisa sobre os dois acidentes e os vários problemas menores com as megalômanas alegorias do Grupo Especial.

Ainda assim, me permito levantar uma questão em meio às cinzas. Mesmo com a redução de um carro em relação ao ano passado e de dois em relação à década passada, nunca se escondeu de ninguém que esse foi o “carnaval da crise”. Todo mundo deu trocentas entrevistas apontando as dificuldades para se colocar o desfile na Sapucaí. Pois bem, não vi nos desfiles desse ano uma queda real nos tais padrões de luxo. Vi até algumas escolas muito mais luxuosas que no ano passado.

O comentarista Aydano André Motta até disse antes do carnaval que em suas visitas à Cidade do Samba não via a tal crise. No desfile, tive a mesma impressão. Será (e vejam que esse “será” implica em um questionamento e não em uma conclusão), então, que não se economizou naquele aspecto invisível ao público e ao mesmo tempo fundamental a todos chamado “segurança”? Teria sido coincidência essa sequência de acidentes e carros empacados acontecerem justamente no ano da crise? No mínimo vale o debate.

Se Deus é chegado num ziriguidum, eu não sei. Mas que Ele foi muito camarada, isso com certeza foi. Esses terríveis contratempos certamente vão provocar mudanças na segurança das alegorias. E sem que tenha havido uma morte para forçar essa mudança, pelo menos até agora.

Não que os danos físicos e psicológicos aos acidentados não sejam graves e não pudessem ser evitados, mas em um país onde muito se fala a frase “precisa morrer alguém para tomarem providência”, há de se comemorar dentro do possível o fato de nenhuma vida ter sido perdida (e espero que continue assim, já que ainda temos feridos em estado grave). Creio que os envolvidos, apesar da lamentável postura diante das câmeras, vão colocar a mão na consciência.

Até porque não me parece ter sido um descuido apenas de Fernando Horta e Renato Thor, mas sim de todos ou quase todos. Aconteceu com dois, mas poderia ter acontecido até com a campeã Portela, que aceitou que seu carnavalesco demitisse um coreógrafo que não aceitou fazer uma coreografia por conta do risco à segurança dos componentes.

Talvez fosse exagero e Paulo Barros tivesse razão, mas o próprio presidente Luis Carlos Magalhães afirmou em entrevista que não se meteu na história e deu carta branca para o carnavalesco fazer o que quisesse. E se o coreógrafo estivesse com a razão? Poderíamos ter visto um desastre parecido no desfile da Portela. E o que poderia dizer o seu presidente? Não há nenhum exemplo imaculado nesse meio.

Essa é, aliás, outra coisa importante em toda essa história. O problema aconteceu com os carros alegóricos, mas poderia ter acontecido em milhares de outros lugares, principalmente nas etapas anteriores ao desfile. Por exemplo: já falei aqui que as finais de samba-enredo são uma desgraça esperando para acontecer. Todo ano vemos vários relatos de quadras superlotadas, com estruturas bastante deficientes em termos de saídas de emergência e em um ambiente geralmente hostil graças a tudo o que está envolvido ali.

Tivemos pequenos ou nem tão pequenos problemas nos últimos anos (o mais grave talvez tenha sido a briga na escolha da Portela para este carnaval), mas nada perto do que pode acontecer se isso não for revisto. Que o susto com os carros alegóricos provoque mudanças nesse sentido e em vários outros. A propósito, nem mesmo a segurança dentro da Marquês de Sapucaí é minimamente compatível com a importância do evento.

No sábado das campeãs tivemos um diretor da São Clemente baleado na dispersão após uma briga na qual ele sequer estava envolvido. Parece piada que o “maior espetáculo da terra” (estou cada vez mais convencido de que essas aspas são necessárias) deixe gente armada acessar o Sambódromo, mas não é. Migão vai abordar o assunto ainda essa semana.

Passou. Não deveria, mas aconteceu tudo isso. E pior do que acontecer é não aprender com o acontecido. Essa chance a Liesa e as escolas de samba não podem perder. O assunto deve sair do foco da imprensa em breve e será a partir desse momento, sem pressão ou calor do momento, que veremos a real preocupação dos nossos dirigentes com a segurança dos apaixonados, de ocasião ou do ano inteiro, pela nossa festa mais popular.

Power Ranking do Carnaval – É muito comum a imprensa esportiva dos Estados Unidos desenvolver um “power ranking” nas quatro principais ligas (NBA, NFL, NHL e MLB). Basicamente, são rankings atualizados semana a semana onde o analista classifica os times dos mais fortes para os mais fracos. É sempre uma análise de momento: quem é mais forte hoje? Acho uma ideia muito interessante. No Brasil, ESPN e globoesporte.com (este com um nome adaptado, “Termômetro GE”) já fazem o mesmo com os times do Campeonato Brasileiro.

Pois então eu pensei que seria interessante adaptar o conceito de Power Ranking para o Carnaval. Claro que é algo mais difícil, já que no desfile das escolas de samba só existe um “jogo” por ano, mas acompanhando o vai-e-vem de profissionais, os enredos, os sambas e todos os ti-ti-tis do mundo do samba, creio ser possível fazer esse ranking. Evidentemente é muito cedo para falar em favoritismo. As posições ainda são quase todas fruto do que se viu no carnaval passado e não do que já se projeta para o próximo. Considero como uma espécie de “grid de largada”.

  1. Portela – Campeã do carnaval, substituiu um carnavalesco de ponta por outro. Tem estrutura, uma comunidade forte e abandonou o “peso” do jejum. Larga na frente.
  2. Mangueira – Manteve a base campeã de 2016 para 2017 e a base do grande desfile de 2017 para 2018. Parece estar em situação financeira cada vez menos delicada e tem acertado em quesitos básicos como enredo e samba.
  3. Beija-Flor – Passando por uma reestruturação em sua comissão de carnaval, vai ter que tentar um jeito diferente de fazer seu desfile. Se acertar, é favoritíssima. Se errar, deve ficar no meio da tabela uma vez mais.
  4. Grande Rio – Recuperou os holofotes de escola emergente e trouxe a consagradíssima dupla de carnavalescos Renato e Márcia Lage. A comunidade, que andava meio para baixo, voltou a apresentar aquela empolgação de sempre. Além disso, a escola mantém uma base forte em quesitos como bateria e comissão de frente. Já acho que possa brigar pelo título inédito em 2018.
  5. Unidos da Tijuca – O que aconteceu em 2017 foi um óbvio acidente. Acho até que a escola veio como campeã. A princípio, larga mais atrás para 2018 (até porque terá muitos olhos tortos virados contra si), mas tem um time muito forte e uma estrutura muito profissional. É forte!
  6. Salgueiro – Aqui começam as incógnitas. O Salgueiro me parece à frente das duas escolas que colocarei na sequência apenas porque manteve quesitos fortíssimos como mestre-sala e porta-bandeira, comissão de frente e bateria. No entanto, ainda vai ser preciso superar a desconfiança interna do Salgueiro com seus novos quadros (o carnavalesco Alex de Souza e a troca do intérprete Serginho do Porto por Hudson Luiz). É uma das escolas que só dá para avaliar melhor a partir do enredo, no mínimo.
  7. Vila Isabel – Vai montando um time de muito respeito para 2018. Além do gênio Paulo Barros, chegou a ótima porta-bandeira Denadir. E deve vir mais gente. A equipe ainda tem grandes nomes como o intérprete Igor Sorriso e a dupla de diretores de carnaval Júnior Schall e Ricardo Fernandes. Parece estar com muita grana. O primeiro ano de uma nova equipe sempre é mais difícil, de modo que talvez não seja ano de brigar pela taça.
  8. Mocidade – O vice-campeonato não me causa muitas esperanças. Foi uma espécie de acidente e que parece ter colocado na cabeça da escola a ideia de que o trabalho já está bom o suficiente. Isso seria perigosíssimo. Posso queimar a língua de novo, mas, a princípio, não espero muito.
  9. Imperatriz – Vem apresentando carnavais de menor qualidade a cada ano e não parece querer mexer numa equipe já desgastada. Precisa de uma sacudida.
  10. União da Ilha – Se acertar em enredo e samba como no ano passado, certamente brigará pelas campeãs. Mas ainda prefiro aguardar para ver se a escola realmente subiu de patamar.
  11. Império Serrano – Pelo peso da bandeira e a capacidade de se garantir nos quesitos musicais e de chão, acho que o Império Serrano tem a chance de sua vida de voltar para ficar na elite. Espero que a escola não decepcione em enredo e samba.
  12. Paraíso do Tuiuti – Terá que desafiar o preconceito da Liesa e a ideia de que está na elite “de favor”. Acho que pode fazer um grande desfile, mas não acredito em permanência.
  13. São Clemente – Está destroçada, com toda sua equipe “roubada” por Portela e Vila Isabel. Vai ter que mostrar uma força muito grande. A princípio, terá que remar muito.

Série A – Acho que a Viradouro vem mostrando um aporte financeiro gigantesco o bastante para colocá-la como favorita. A Unidos de Padre Miguel já se coloca logo atrás com muita força nessa largada. Depois, vêm Estácio de Sá, Porto da Pedra, Rocinha e Império da Tijuca, largando como surpresas.

No pelotão do meio, a princípio sem grandes ambições ou receios, estão Cubango e Inocentes. Já ameaçadas, Renascer, Santa Cruz, Sossego, Alegria da Zona Sul e, minha aposta inicial para a queda, Unidos de Bangu.

Imagens: Ouro de Tolo

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3 Replies to “As lições das cinzas”

  1. Só acho que quem esta de favor no especial,apesar das notas,é a Tijuca,e não a Tuiuti.Talvez esse seu comentário,seja tudo que a liesa,e seus amigos querem ouvir daqui para frente.

    1. Veja bem: não acho que a Tuiuti esteja de favor no Grupo Especial. Na prática, porém, ela é quem se salvou da queda pela anulação do rebaixamento. Por isso, disse que o júri e o mundo do carnaval como um todo PODEM interpretar que ela está ali de favor.

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