Depois de um excelente desfile em 1980, as expectativas para o Carnaval de 1981 eram muito grandes. Isso porque as agremiações voltariam a apresentar enredos e sambas de excelente qualidade.

Além disso, o regulamento, que foi bastante confuso no ano anterior, resultando num tríplice empate na primeira posição e numa outra igualdade tripla no segundo lugar, teve diversas mudanças.

Uma medida que caiu bem entre os sambistas foi a volta do quesito Comissão de Frente, extinto no carnaval anterior. Por outro lado, mestres-sala e porta-bandeiras voltariam a desfilar sem serem julgados, o que continuou gerando críticas pesadas.

Outra medida foi o acréscimo de um julgador por quesito, e a escalação de dois jurados extras para Conjunto – em 1980, os sete jurados dos demais quesitos também deram as notas de Conjunto. Com isso, o total de jurados passou a ser de 18, o que reduziu muito a chance de empate.

Na pontuação, o quesito Alegorias e Adereços, que até 1980 conferia notas de 1 a 5, passou a ser pontuado de 1 a 10. Já Conjunto, cujas notas variavam de 1 a 3, passaram a render notas de 1 a 5.

Na fase pré-carnavalesca, a escola que surgiu como grande favorita foi a Portela. Uma das campeãs de 1980, a Águia teria como enredo “Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite”, do carnavalesco Viriato Ferreira. Mais uma vez o samba escolhido foi o de David Corrêa e Jorge Macedo, e a linda obra caiu na boca do povo desde as primeiras execuções nas rádios cariocas.

Outro sambaço da safra de 1981 era o da Imperatriz Leopoldinense. Arlindo Rodrigues resolveu homenagear o compositor Lamartine Babo – enredo que seria o do Salgueiro no ano anterior – e Zé Katimba, Gigi e Serjão escreveram um samba curtinho, melódico e popular.

Terceira campeã de 80, a Beija-Flor de Joãozinho Trinta levaria para a Sapucaí o enredo “Carnaval brasileiro, a oitava maravilha do mundo”, associando as maravilhas do mundo com a festa mais popular do planeta. Houve críticas ao fato de João 30 ter incluído no enredo a Muralha da China, que não era uma maravilha do Mundo Antigo, mas o carnavalesco na verdade fazia uma licença poética: “Não me refiro ao Mundo Antigo, então posso usar a maravilha que eu quiser. Quem não nos der nota 10, ou não gosta do Brasil, ou não gosta de Carnaval”, bradou João.

A Mocidade Independente de Padre Miguel teria como temática o Carnaval com um samba composto pelo intérprete Ney Vianna, enquanto Vila Isabel e União da Ilha teriam enredos bem diferentes do que costumavam fazer: embora com bom samba, a Tricolor faria uma crítica política ao começo do século XX, enquanto a Azul e Branco teria como tema a busca pela paz associada à astrologia.

O Salgueiro tentaria voltar aos seus melhores dias com um enredo homenageando o Rio de Janeiro, enquanto a Mangueira prestaria um tributo ao ex-presidente da República Juscelino Kubitschek. O Império Serrano prometia uma leitura diferente do Descobrimento do Brasil e a Unidos da Tijuca, que voltava à elite depois de 24 anos, faria uma contundente crítica à influência estrangeira no Brasil.

OS DESFILES

O começo dos desfiles estava marcado para as 19h, mas um sem-número de penetras, ambulantes e, segundo a direção da Unidos da Tijuca, militantes do Partido dos Trabalhadores que queriam se infiltrar nas alas, causaram um atraso de duas horas. Só às 21h, a Tijuca iniciou a defesa do enredo “Macobeba, o que dá pra rir, dá pra chorar” – o Migão já escreveu sobre esse desfile.

A inspiração veio do livro “Manuscrito Holandês”, de Manoel Cavalcanti Proença, e o desfile retrataria a batalha de Mitavaí, um vaqueiro brasileiro do Sertão, contra o polvo Macobeba, que, com seus tentáculos, representava a invasão das empresas multinacionais.

A Tijuca era uma escola egressa do segundo grupo e não tinha um orçamento tão grande, e Renato Lage mostrou muita criatividade ao utilizar materiais alternativos. A alegoria que representava Macobeba era composta por milhares de copinhos plásticos e os tentáculos do polvo agarravam utensílios como TVs ligadas.

Outros elementos simbolizavam o desmatamento e as queimadas, e os bois apresentavam vestidos com roupas ricas para representar o alto preço da carne. O gafanhoto feroz, como dizia o samba, vinha com a boca aberta sobre as lavouras de feijão, arroz e cenoura.

A Tijuca desfilou com diversas cores como mandava o enredo, mas com uma divisão cromática que não se mostrou pesada, e satirizou slogans de empresas internacionais como Singer e Sanyo, e no fim Macobeba era atacado pelos moradores do Borel.

O samba era extraordinário e tinha como intérprete o brilhante cantor Sobrinho. O refrão final “Maldito bicho, se me ouviu / Se não gostou do meu samba / Vai pra longe do Brasil” sugeria um trocadilho no final e a arquibancada mandou ver “Vai pra p… que p….”, como se realmente estivesse mandando Macobeba para aquele lugar.

Numa época em que a ditadura militar ainda existia, foi um enredo extremamente corajoso e transmitido de forma muito inteligente. A Tijuca deixou a Sapucaí com grandes possibilidades de não só permanecer no primeiro grupo, como conseguir uma posição mais acima na apuração.

Depois do desfile excelente em 1980, a Vila Isabel pretendia novamente brigar pelas primeiras posições, mas naufragou fragorosamente. O enredo “Dos Jardins do Éden à Era de Aquarius” passeava pelos signos do Zodíaco e tentava transmitir uma mensagem otimista para o futuro, mas não foi bem assimilado pelo público.

Para começar, o abre-alas quebrou e passou pela Sapucaí rebocado por um caminhão da Comlurb, bem longe da escola. As dez mulatas que viriam na alegoria acabaram desfilando a pé logo após a comissão de frente e o presidente Orlando Pereira, o Careca, chorou a perda do carro.

Outra questão foi que o carnavalesco Silvio Cunha, que nos anos 90 faria bons trabalhos pela Portela, não seguiu muito o azul e branco da escola e usou muito dourado nos figurinos e alegorias, o que gerou críticas.

“A escola era a própria miscelânea falando do Éden, Egito, mundo assírio, Índia, árabes, Japão, China, Grécia, africanos, astecas, índios brasileiros até acabar ‘na era de Aquarius’. Foi a volta ao mundo no samba”, carregou nas tintas o Jornal do Brasil.

Além dos carros, havia ainda 38 tripés e mais de 3 mil componentes, o que criou problemas de evolução durante todo o desfile. Pior: o samba-enredo se mostrou difícil e apenas o refrão principal era cantado com mais entusiasmo pelos componentes.

Do meio para o fim do desfile, as alas passaram praticamente mudas, já que a bateria saiu cedo demais do box. Depois do rebaixamento de 1978, novamente esse fantasma cercava a Vila Isabel, e restava ver como as outras escolas passariam.

A Estação Primeira de Mangueira foi a terceira a entrar na Sapucaí e teve uma apresentação, que, se não teve alegorias grandiosas e de impacto, foi de muita garra e entusiasmo. O enredo “De Nonô a JK” fazia uma homenagem a Juscelino Kubitschek e exaltava a construção de Brasília.

Não bastasse o mau desfile em 1980, que deixou a escola apenas à frente de outras duas agremiações, o ano foi de muita tristeza para os mangueirenses, que perderam quatro nomes importantes: o compositor Pelado, a porta-bandeira Neide, o presidente de honra Juvenal Lopes e seu grande expoente, Cartola. Eles foram homenageados em imagens pintadas à mão num pede-passagem.

O desfile verde e rosa foi desenvolvido por uma comissão de Carnaval, que optou por não colocar a Velha Guarda na comissão de frente, mas sim dançarinos vestidos com smoking para representar a posse de JK como presidente. A Velha Guarda desfilou logo atrás, seguida pelo abre-alas que simbolizava “Peixe Vivo”, canção que marcou Juscelino.

O primeiro setor do desfile lembrou a infância de JK em Diamantina, com bons figurinos de época e alas que mostravam a culinária e cultura do local. Aliás, exceção feita à comissão de frente, as fantasias respeitaram bastante o verde e rosa da escola, depois das reclamações dos mangueirenses nos anos anteriores.

Na segunda parte do desfile, foi mostrada a Brasília sonhada e realizada por JK. O ex-presidente, morto em 1976 num acidente automobilístico (ou atentado, como acreditam alguns…), foi representado pelo ator Humberto Fred, que também vestia um smoking em cima de uma pequena alegoria prateada simbolizando o monumento em homenagem ao ex-presidente na capital federal.

O Palácio do Planalto foi lembrado em uma alegoria e logo atrás uma ala representava bem o desejo reprimido do povo por liberdade e alguns integrantes levavam balões com palavras como “Eleições”, “Justiça”, “Democracia”, “Progresso” e “Feijão”. Aliás, os balões e adereços de mão foram bastante utilizados.

O samba-enredo de Jajá, Comprido e Arroz não estava entre os mais badalados daquele Carnaval mas funcionou muito bem, e a bateria de Mestre Waldomiro deu o recado. Mas por decisão da direção de Harmonia, os ritmistas passaram reto pelo segundo recuo, já que havia um excesso de 4 mil componentes e era preciso dar vazão a esse povo todo.

Mesmo assim, não houve graves problemas nos quesitos de pista e a Mangueira encerrou seu agradável desfile com um rosto de JK na Praça dos Três Poderes e uma frase de agradecimento. A ex-primeira dama Sarah Kubitschek aplaudiu a passagem da escola e beijou o pavilhão verde e rosa.

Já o Império Serrano infelizmente voltou a deixar uma impressão ruim. O enredo “Na terra do Brasil, nem tudo Caminha viu” procurou passar aquilo que Pero Vaz de Caminha não conseguiu ver quando desembarcou no Brasil em 1500 ao lado de Cabral.

Segundo a sinopse, os três quadros do enredo representariam os povos que supostamente formaram os índios brasileiros, a natureza e riquezas naturais do país descoberto, e ainda a relação do brasileiro com os mitos que caracterizavam os espíritos ingênuos dos antepassados.

O tema não causou empatia com o público e o samba-enredo definitivamente não entrou para o extenso panteão de obras-primas imperianas. Nem o imortal Roberto Ribeiro conseguiu fazer milagre e o público não se empolgou com a passagem da escola.

Depois de uma comissão de frente formada por aristocratas, vieram alegorias e alas representando índios astecas e maias. Para exaltar a natureza, diversos tripés e alegorias foram utilizados, enquanto um carro bastante largo tinha a caravela de Cabral e Caminha.

Os carnavalescos Luiz Fernandes e Ricardo de Aquino optaram por uma divisão cromática que pendeu para o branco e o dourado na maior parte do desfile, com o verde apenas pontuando fantasias e elementos.

Dois pontos se destacaram na arrastada exibição imperiana: a bateria, que mostrou uma cadência bastante agradável, e a ala das baianas, que veio bem fantasiada e com Dona Ivone Lara arrancando aplausos. E foi só.

Pouco depois das 3h30, entrou na pista a primeira campeã de 1980, a Beija-Flor de Joãozinho Trinta. A Azul e Branco não decepcionou e, com uma exibição quente do começo ao fim, se candidatou às primeiras colocações.

O desfile começou tenso porque o enorme abre-alas repleto de mulatas teve problemas de direção e demorou a entrar na Sapucaí. Passado o susto, a Beija-Flor pisou forte na pista e proporcionou um belo espetáculo.

O abre-alas representava os Jardins Suspensos da Babilônia e teve excepcional realização, com diversos chafarizes que levavam 3.500 litros de água. Agradou muito também o carro da Estátua de Zeus, que parecia real tamanha a perfeição da escultura.

O Colosso de Rodes também foi brilhantemente representado por diversas colunas gregas como tripés e uma alegoria central com a estátua de Hélio, o protetor da cidade. As pirâmides do Egito foram simbolizadas com uma pequena alegoria vazada em dourado.

Depois de o desfile também passear pela contestada Muralha da China, Tempo de Ártemis e Farol de Alexandria, a enorme última alegoria tinha um sem-número de destaques luxuosamente fantasiados lembrando o Carnaval do Rio, a oitava maravilha do mundo segundo João 30.

O samba-enredo composto por Neguinho, Dicró e Picolé também funcionou bem para a proposta do enredo e a bateria de 350 componentes teve um andamento “pra frente” mas num ponto adequado.

O público cantou junto e essa empolgação rendeu uma invasão de pista que em diversos momentos atrapalhou a evolução da Beija-Flor, dado que as alegorias eram grandes e havia dezenas de tripés. Este foi o único senão de um desfile dos mais bonitos de 1981.

A segunda campeã do ano anterior era a escola mais aguardada do ano: a Portela. Mas, apesar de um desfile inegavelmente bonito sobre a mística envolvendo o mar, alguns problemas colocaram em dúvida o favoritismo da Águia, e poderiam fazê-la perder uma vitória que na fase pré-carnavalesca era tida como bem provável.

O primeiro (e absurdo) fator foi a impressionante invasão de pista, ainda maior do que no desfile da Beija-Flor, o que atrapalhou sensivelmente a evolução portelense. Mesmo depois de a polícia fazer a “limpa” quando o abre-alas já era empurrado, aos poucos o público voltou a adentrar a passarela e o espaço para a passagem das alas e alegorias era mínimo.

Outro problema, segundo se disse à época, foi que o diretor Nésio Nascimento (filho de Natal) grampeou erradamente o caderno de desfile, o que gerou uma troca na ordem de entrada de algumas alas.

Em seu terceiro ano na confecção do carnaval da Portela, Viriato Ferreira prometia um mar azul bordado de espuma na avenida, mas houve quem visse nisso um certo exagero no conjunto, com um excesso de azul nos figurinos e chapéus prateados.

“Quando a Portela entrou, comentei com o José Carlos Rego: ‘que ala enorme!’. Aí a ala começou a crescer, crescer, e vi que não era uma ala, mas a escola toda!”, comentou o saudoso portelense Albino Pinheiro no debate do Estandarte de Ouro, de “O Globo”.

A comissão de frente tinha os príncipes submarinos, que abriam os caminhos do mar para o desfile. Não faltaram nas alegorias os típicos animais dos mares, como golfinhos, moréias, polvos e cavalos-marinhos, e alas estavam muito bem fantasiadas. Por sinal, agradou muito o figurino branco da ala das baianas, com saias que davam excelente efeito.

A bateria de Mestre Quincas impôs um bom andamento, mas pessoalmente achei o samba cantado num tom bem mais alto em relação ao disco. Para piorar, houve atravessamento da própria bateria após a saída do segundo box, uma falha grave que atrapalhou a harmonia e poderia custar bem caro na apuração. O jornal “O Globo” citou inclusive que houve cinco queimas de fogos de artifício durante o desfile, o que confundiu ainda mais o canto das alas.

Apesar dos pesares, o público cantou o tempo todo com a escola, mas ficou um gostinho de quero mais diante de tanta expectativa que se criou para uma apresentação que poderia ter sido épica. De qualquer forma, foi um belo desfile.

Já com o dia claro, o Salgueiro entrou na pista e fez sua melhor apresentação em anos ao exaltar o Rio de Janeiro no dia do aniversário da cidade (1º de março). O enredo foi muito bem dividido pelo carnavalesco Geraldo Sobreira e a escola desfilou bonita e alegre pela Sapucaí.

Depois de dois anos em que as cores do Salgueiro foram praticamente deixadas de lado, os tradicionais vermelho e branco da escola foram rigorosamente respeitados, o que fez a Sapucaí perceber na pista o Salgueiro que todos conheciam.

O desfile começou com a fundação da cidade, depois passando pela época da Colônia com bonitas referências a Debret e sua visita ao Rio no século XIX. O período da chegada da República foi simbolizado por uma bela alegoria com carruagens e cavalos, além da imortal Isabel Valença como destaque representando a Marquesa de Santos.

A fase contemporânea do Rio foi exaltada em alegorias referentes ao futebol, com as bandeiras dos clubes cariocas, e às praias com o sol. Outro belo carro foi o do Carnaval, com um arlequim em preto e branco. O desfile se encerrou com o bolo de aniversário da cidade e a saudosa Elke Maravilha como destaque.

Apesar de (injustamente) não ser tão lembrado assim, considero o samba salgueirense de 1981 um dos mais belos a exaltar o Rio. A bateria impôs um excelente andamento e o cantor Rico Medeiros o conduziu muito bem.

Pena que a invasão de pista, tão comum nos desfiles de 1981, também tenha atrapalhado o Salgueiro. As alas acabaram sufocadas e com isso a evolução foi um tanto amarrada. Além disso, a saída da bateria do segundo recuo não foi precisa e os ritmistas hesitaram no meio da manobra, causando problemas às alas que a sucediam.

Mesmo assim, o Salgueiro iria para a apuração com boas perspectivas de ficar nos primeiros lugares pelo conjunto de sua apresentação.

Por outro lado, quem decepcionou seus torcedores foi a União da Ilha. O enredo “1910: deu burro na cabeça”, outra vez desenvolvido pelo carnavalesco Adalberto Sampaio, era muito diferente do qual o público estava acostumado.

A ideia era relembrar o ano de 1910 no Rio de Janeiro, com uma crítica econômica e social, relembrando as canções da época, a política, a Belle Èpoque e até o jogo do bicho, afinal, como dizia o título do enredo, “deu burro”.  Acabou que ficou tudo um tanto confuso.

A escola anunciou antes do Carnaval que recebeu um patrocínio de um grupo empresarial, o que tornaria o visual da escola muito mais rico, com quatro carros e 55 tripés e incríveis 1.200 alegorias de mão. Mas na prática isso não funcionou bem e a Tricolor teve uma evolução descompassada.

O samba-enredo cantado por Aroldo Melodia, embora muito agradável, desta vez não pegou na veia na passarela e a comunicação com o público não foi a habitual, exceto nos momentos em que a bateria passava e fazia paradinhas muito bem executadas. Aliás, a bateria de Bira e Paulão salvou uma apresentação muito criticada pelos jornais.

“A Ilha já entrou, antes, pobre na Avenida, mas muito melhor. Este ano, se enriqueceu pouquíssimo e se embolou”, resumiu o Jornal do Brasil.

Última das três campeãs de 1980 a entrar na passarela, a Imperatriz Leopoldinense confirmou as expectativas e fez uma exibição memorável ao homenagear Lamartine Babo. A Verde e Branco apresentou tudo que se espera de uma escola campeã: visual impecável, correção nos quesitos de pista e uma ótima comunicação com o público.

Em busca do tricampeonato pessoal (Mocidade-1979 e Imperatriz-1980), o carnavalesco Arlindo Rodrigues brindou o público com alegorias de fácil leitura e muito bem acabadas. O enredo passeou pelas marchinhas de Lamartine, como a do Trem da Alegria, representada num belíssimo carro (foto acima).

Os personagens típicos do carnaval exaltados por Lamartine como mulatas, pierrôs, arlequins e colombinas romperam pela Sapucaí em enormes tripés de maravilhosa realização e, a meu ver, esta foi a imagem mais emblemática do desfile gresilense de 1981.

Outro acerto de Arlindo na divisão do enredo foi utilizar placas e tripés com inscrições relativas à trajetória de Lamartine. Isso reforçava a coerência com a qual o enredo era dividido e ainda por cima equilibrava uma divisão cromática que variava do verde e branco da escola ao colorido que pontuava a vida do compositor.

Também não faltaram, claro, as citações ao futebol e aos hinos dos clubes do Rio de Janeiro, outras famosas composições de Lamartine. Uma enorme ala com bandeiras de América, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco deu o tom da alegria.

A arquibancada cantou o tempo todo com a Imperatriz, até porque o samba-enredo era curto e empolgante. O refrão principal “Neste palco iluminado / Só dá Lalá / És presente  imortal / Só dá Lalá / Nossa escola se encanta / O povão se agiganta / É dono do Carnaval” é inesquecível.

A bateria da Rainha de Ramos, como já vinha sendo hábito, sustentou com categoria o ritmo e num andamento impecável. A Imperatriz deixou a pista favorita ao bicampeonato, com gritos de “já ganhou” vindos do público, que não arredava pé mesmo com o sol fortíssimo.

Só depois das 10 da manhã de segunda-feira, finalmente despontou a última escola a desfilar, a Mocidade Independente de Padre Miguel. Fernando Pinto, que havia confeccionado o desfile de 1980, deixou a Verde e Branco, e Edmundo Braga e Ecila conceberam o enredo “Abram alas para a folia: aí vem a Mocidade!”, sobre o Carnaval do passado e do então presente.

Os carnavalescos utilizaram bastante branco e tons claros nos bonitos figurinos, e optaram por conceber alegorias menores, além de praticamente não utilizarem adereços de mão. Estas, aliás, foram decisões corretas, já que o calor castigava os componentes.

Apesar disso, houve problemas na manobra do abre-alas em meio à pista invadida, o que emperrou a escola por alguns minutos. Depois da entrada da bateria no segundo recuo, houve mais problemas de evolução, com muitos claros nas últimas alas.

Um incidente foi a queda de uma mulata no abre-alas, mas por sorte ela não caiu na pista, mas sim na própria alegoria. Além disso, segundo “O Globo”, o patrono Castor de Andrade agrediu um componente que desfilava bêbado – este foi retirado da pista por policiais.

De qualquer forma, foi um bonito desfile. As alas tinham os principais personagens da folia, como melindrosas, bruxas, pierrôs, arlequins e colombinas, além de uma ala muito bacana com um bloco de sujos.

Sem Mestre André, falecido em 1980, a bateria de Dilson Carregal impôs um andamento mais ligeiro ao samba mas manteve as bossas e paradinhas imortalizadas pela escola.

Uma homenagem ao diretor de bateria foi feita num tripé com a inscrição do famoso verso “O Mestre André diz todo dia / Ninguém segura a nossa bateria”, do samba “Salve a Mocidade”. Filho de Mestre André, Andrezinho – futuro integrante do Grupo Molejo – desfilou vestido com o mesmo tipo de figurino do pai, com baqueta e tudo.

Ney Vianna cantou com bastante empolgação o único samba-enredo de autoria dele que serviu à Mocidade na passarela, e o público permaneceu firme na Sapucaí até que grandes bonecos simbolizando o Carnaval decretassem o fim da apresentação, quase às 11h30. Foi um desfecho bem agradável para mais uma maratona de desfiles.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

A Imperatriz Leopoldinense saiu aclamada pela crítica como dona do melhor desfile de 1981. A Verde e Branco de Ramos conquistou o prêmio de Melhor Comunicação com o Público do Estandarte de Ouro, de “O Globo”. “Desfile de campeã” foi a manchete do “Jornal do Brasil” para a apresentação gresilense.

Com sua excelente exibição, a Beija-Flor surgia como única ameaça real ao bicampeonato da Imperatriz, com a Portela apenas correndo por fora por causa dos problemas no desfile. Os jornais ainda colocavam Salgueiro e Mocidade como possíveis surpresas, mas a disputa mesmo prometia ficar entre Imperatriz e Beija-Flor.

A apuração desta vez ocorreu no Pavilhão de São Cristóvão e, ao contrário dos anos anteriores, não houve atrasos para a abertura dos envelopes e tudo transcorreu sem grandes problemas.

A Imperatriz largou na frente e foi a única a somar 20 pontos em Bateria, seguida por Salgueiro (19), Mangueira (18) e Beija-Flor, Ilha, Portela, Mocidade e Império (17). Em Harmonia, surpreendentemente a Portela ganhou dois 10, enquanto todas as demais escolas foram bastante despontuadas. A Imperatriz levou um 8 e um 9 e manteve a ponta, empatada com a Portela.

A Azul e Branco deu esperanças aos seus torcedores ao assumir a liderança em Samba-Enredo, passando a Imperatriz em um ponto. Mas o sonho portelense ruiu nas leituras de Enredo, Alegorias e Adereços e Conjunto, quesitos nos quais a Imperatriz abriu vantagem e a Beija-Flor assumiu o segundo lugar.

Diga-se de passagem, o mapa de julgamento do ator Gracindo Júnior (Conjunto) foi anulado porque ele conferiu notas de 1 a 10, enquanto o regulamento previa apenas notas de 1 a 5 para esse quesito.

Dali em diante, a apuração foi um passeio da Imperatriz, que conquistou uma justa vitória com seis pontos de vantagem sobre a Beija-Flor (167 a 161). A Portela terminou em terceiro, e o presidente Carlinhos Maracanã deixou o pavilhão com a apuração ainda em andamento: “É uma palhaçada”.

Por outro lado, o presidente de honra da Beija-Flor, Anísio Abraão David, fez questão de exaltar a vitória da Imperatriz e abraçou o amigo Luizinho Drumond. Este foi bastante celebrado e carregado nos braços do povo para fora do pavilhão e ainda foi levado pelos torcedores na quadra da Imperatriz em Ramos.

“Pelo desfile que nós fizemos não havia dúvidas. Tivemos carnaval para ganhar e ganhamos com sobras. Agora é festa na quadra o dia todo, a noite toda!”, vibrou Luizinho.

A Mangueira terminou numa boa quarta colocação, seguida pelo Salgueiro e pela Mocidade. A União da Ilha ficou num decepcionante sétimo lugar, à frente da Unidos da Tijuca, que protestou pela perda de cinco pontos em concentração, e culpou a Riotur pelo atraso.

“Os jurados são de péssima qualidade, alguns empregados da Portela e que nos roubaram. O Salgueiro nunca poderia tirar o quinto lugar, foi um verdadeiro absurdo”, reclamou o presidente salgueirense Osmar Valença, lembrando que os dois jurados de Harmonia, Raul de Barros e Nelson Santos, trabalhavam na gafieira Tia Vicentina (irmã de Natal).

Assim como ocorrera em 1978, Vila Isabel e Império Serrano seriam rebaixadas juntas, em nono e décimo lugares. Mas depois do Carnaval, um acerto entre as escolas as manteve no primeiro grupo. Foi alegado que nenhuma escola poderia ser rebaixada tamanha a invasão de pista durante os desfiles.

RESULTADO FINAL

POS. ESCOLA PONTOS
Imperatriz Leopoldinense 167
Beija-Flor de Nilópolis 161
Portela 158
Estação Primeira de Mangueira 147
Acadêmicos do Salgueiro 140
Mocidade Independente de Padre Miguel 139
União da Ilha do Governador 138
Unidos da Tijuca 131
Unidos de Vila Isabel 130
10º Império Serrano 127

No segundo grupo, a vitória ficou com a Unidos de São Carlos, que conseguiu o retorno à elite com um enredo em homenagem à Praça Tiradentes. A Vermelho e Branco somou 171 pontos assim como o Império da Tijuca (enredo “Cataratas do Iguaçu”), mas levou o título no desempate pelo quesito Harmonia.

Curiosamente, o presidente do Imperinho, Natal Fibrósio, considerou justa a vitória da São Carlos, mas disse com todas as letras ao “Jornal do Brasil”:

“A escola ganhou armando. O Antônio Gentil (presidente da São Carlos) me disse que tinha o Governo na mão”.

No Grupo 2A, o título acabou com a Unidos da Ponte e o vice-campeonato foi para a Em Cima da Hora. No 2B, vitória da Unidos de Nilópolis e vice campeonato da Unidos do Jacarezinho.

CURIOSIDADES

– A transmissão da Bandeirantes tinha a participação do narrador Galvão Bueno, meses antes de ele deixar a emissora paulista rumo à Globo. Sem assinar nenhum desfile, a carnavalesca Maria Augusta foi a principal comentarista da transmissão da Band, ao lado de Murilo Néri.

– Um dos grandes problemas do Carnaval de 1981 foi a invasão de pista e, nesse contexto, chamou a atenção a irritação de Léo Batista e Hilton Gomes, que narravam os desfiles para a Globo e fizeram duras críticas à Riotur, cobrando constantemente melhorias nas condições para as escolas, além da construção de um espaço permanente, o que só aconteceria em 1984.

– Foi o primeiro desfile de primeiro grupo assinado pelo brilhante carnavalesco Renato Lage. Ele ficou na Unidos da Tijuca até 1982, e depois teve passagens por Império Serrano (1983-1986), Salgueiro (1987 e 2003-2017), Caprichosos de Pilares (1988-1989) e Mocidade Independente de Padre Miguel (1990-2002). Até agora, foram quatro títulos (1990, 1991, 1996 e 2009) e sete vices (1984-domingo, 1992, 1997, 2008, 2012, 2014 e 2015).

– Em 1981 tornou-se obrigatória a presença da Ala das Crianças nos desfiles do primeiro grupo. Anos mais tarde, os desfiles das escolas de samba mirins passaram a fazer parte da programação oficial do Carnaval do Rio.

– O sambaço da Portela virou uma espécie de música-símbolo do elenco do Flamengo durante a temporada de 1981. Os jogadores sempre puxavam o samba nas concentrações, ônibus e vestiários, até mesmo no Japão, onde o time conquistaria em dezembro o título mundial interclubes.

– Foi o primeiro bicampeonato da Imperatriz Leopoldinense. Ela ainda ganharia títulos seguidos em 1994 e 1995 e seria tricampeã em 1999, 2000 e 2001. O único título “isolado” da Rainha de Ramos foi em 1989.

– No livro “Enredo do Meu Samba”, do jornalista Marcelo de Mello, o compositor Zé Katimba não escondeu a mágoa com o carnavalesco Arlindo Rodrigues. Este falou, segundo Zé, que seu samba jamais daria certo na avenida. Outros compositores que participaram das eliminatórias, Tuninho Professor e Dominguinhos do Estácio (que compôs com Darcy o samba preferido de Arlindo) consideraram justa a vitória de Zé Katimba, Gibi e Serjão.

– Roberto Ribeiro conduziu o samba do Império Serrano na avenida pela última vez. Com a agenda cada vez mais cheia de compromissos e shows pelo Brasil, o brilhante cantor decidiu se afastar. Em 1984, com a ida de Quinzinho para a União da Ilha, o Império tentou convencer Roberto Ribeiro a voltar, sem sucesso. Curiosamente, o cantor nunca puxou na avenida um samba campeão, pois fez seu primeiro desfile em 1971, não participou em 1972 (ano em que o Império levou o título) e 1973, e foi o intérprete oficial da escola de 1974 a 1981, um ano antes de a Verde e Branco conquistar novamente o campeonato.

– Presidente de honra da Beija-Flor, Anísio Abraão David foi bastante vaiado na Sapucaí por causa das acusações de que ele estaria envolvido no desaparecimento do pintor de paredes Misaque José Marques e do publicitário Luís Carlos Jatobá, acusados de terem assaltado a casa do dirigente em Niterói. Em 1983, Anísio foi absolvido em julgamento e policiais foram responsabilizados pelo crime.

CANTINHO DO EDITOR (por Pedro Migão)

Além das questões já citadas no texto, o desfile da Portela foi muito prejudicado pelo inchaço das alas. Muita gente jura que a escola tinha nada menos que 8 mil componentes no desfile de 1981. Somada à invasão da pista que estreitou o espaço e deixou a escola “serpenteando” pela passarela, isso prejudicou bastante a evolução da escola.

Samba este que, aliás, foi reeditado pela Tradição em 2013, como uma homenagem aos 90 anos que a Portela completava então. Mesmo pessimamente cantado na avenida, perdendo pontos em Obrigatoriedades e – sendo bem sincero – bem feia em termos plásticos, os quesitos de pista trazidos pelo samba salvaram a escola do que seria um rebaixamento certo.

Este desfile da Portela também será lembrado na homenagem que a Acadêmicos da Rocinha fará ao carnavalesco Viriato Ferreira neste ano de 2017.

Naquela época, na qual os desfiles do hoje Grupo Especial eram no domingo de Carnaval, o Grupo 1B desfilava na segunda-feira. Há uma lenda urbana dando conta que escolas deste grupo reaproveitavam alas inteiras das escolas maiores e até carros alegóricos que haviam passado na noite anterior.

Algo interessante também é se notar que naquele 1981 todos os grupos reuniam somadas 44 agremiações. Em 2017 temos nada menos que 88 escolas de samba inscritas nos seis grupos atuais – exatamente o dobro. Vale fazer a ressalva de que destas 88 sete não irão desfilar em 2017: seis da Série E e uma da Série D.

VÍDEOS

O campeoníssimo desfile da Imperatriz Leopoldinense

A rica apresentação que deu o vice-campeonato à Beija-Flor

O mar azul portelense no desfile de 1981

A homenagem da Mangueira a JK

Fotos: O Globo, Manchete e reprodução de internet

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4 Replies to “1981: Só deu o imortal Lalá e a Imperatriz Leopoldinense brilhou no palco iluminado”

  1. Linda essa imagem do desfile da Imperatriz! Minha mãe tem até hoje o disco do Carnaval 1982, e as imagens desse desfile na capa também são maravilhosas! Foi o último título do gênio Arlindo Rodrigues, e em grande estilo! E que samba…

    Falando em samba, “Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite”, está no meu topo 5 de todos os tempos. Simplesmente amo esse samba! Aliás, sei que devo ser o único que acha isso, mas o considero o melhor samba da história da Portela.

    Assim como ocorreu de 1988 para 1989, essa virada de mesa em 1981 impactaria de forma marcante o Carnaval de 1982…

    Parabéns pelo texto, bom Carnaval a todos, e aguardando o texto de 1982 com um dos maiores desfiles e samba de todos os tempos!

  2. “Lá vai a baiana
    Rodando pra lá e pra cá
    Arrastando a sandália
    Fazendo o meu povo cantar”

    Dos sambas “lado B” da Mocidade, este é um dos melhores!! Eu adoro a melodia!

    E vitória justa da Imperatriz.

    Sobre a Portela, simples: o maior samba portelense, na minha opinião!!

    1. Não sei se é o melhor, mas ao lado de “Contos de Areia” com certeza é o mais conhecido do grande público.

    2. É difícil cravar que seja o melhor, já que a Portela tem um repertório fantástico, mas é o meu preferido.

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