Nesta segunda feira, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, fala sobre o mercado de trabalho de advogados e os transtornos criados pela prova da OAB.
O drama dos bacharéis e o mercado da advocacia
Eu sou um defensor entusiasmado e intransigente do Exame de Ordem, a prova aplicada pela Ordem dos Advogados do Brasil para quem deseja advogar. Até já escrevi sobre isso e reafirmarei essa opinião quantas vezes forem necessárias.
Ao contrário da jabuticaba, o Exame de Ordem não é uma exclusividade brasileira, pois muitos países adotam critérios de seleção até mais rígidos que o nosso. Portanto, abomino qualquer iniciativa que defenda a extinção do exame.
Isso não significa, contudo, que se deva fechar os olhos para o pequeno drama social que essa ‘provinha’ anda provocando. Isso ocorre em parte por uma distorção nos critérios de elaboração, em parte por condições muito peculiares do segmento da advocacia, criadas pela mesma lei que instituiu a obrigatoriedade do Exame: o Estatuto da Advocacia, de 1994.
Vamos começar por estas últimas, as bases sob as quais se assentam as relações profissionais na advocacia. esta é, por essência, uma profissão liberal, ou seja, exercida de forma autônoma por seus licenciados. Só que aquele escritório de advocacia do passado, com um ou dois colegas atendendo direta e individualmente os clientes e cuidando dos processos de forma quase artesanal, é mercadoria em extinção e já o era em 1994 – embora ainda nem tanto naquele momento.
Os escritórios de hoje em dia, que lidam com uma quantidade de causas muito maior do que antes do advento dos computadores, da Constituição de 1988, do Código de Defesa do Consumidor e tantas outras variáveis, são formados por vários profissionais – inclusive com relações de hierarquia entre eles.
O normal, por óbvio, seria que se estabelecesse uma relação de emprego, regida pela CLT e com uma sociedade de advogados fazendo às vezes de empresa.
Mas o Estatuto da Advocacia embaralhou tudo.
Primeiro: proibiu que as sociedades de advogado recebessem o valor dos honorários de advogado de forma livre. Ora, se fosse uma empresa, seria natural que o empresário, que corre o risco do negócio, ficasse com o resultado financeiro.
O problema é que as sociedades de advogados, também por culpa da mesma lei, não são empresas. Pelo contrário: são proibidas de assumir forma mercantil. Assim, se uma sociedade tiver advogado empregado, ela precisará repartir a sua principal receita com seu funcionário. Sob quais critérios? A lei silencia.
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Segundo: criou a figura do advogado associado, que tem um vínculo com a sociedade que não é de emprego. Assim, as sociedades que admitem advogados associados podem contratá-los a um custo mais barato, porque a incidência de encargos e direitos trabalhistas é menor.
Terceiro: para quem desejar contratar advogados pela CLT, a jornada de trabalho máxima é de 4 horas diárias ou 20 horas semanais, com adicional de 100% sobre as horas extras.
Ou seja, o Estatuto da Advocacia realmente se empenhou para que as sociedades de advogados nunca tivessem empregados.
E o mercado se estabeleceu dessa forma, contratando advogados em regime de associação. O qual, por ser menos oneroso, acabou permitindo a prática de preços mais baixos na advocacia, levando o aviltamento dos honorários cobrados pelas sociedades. Hoje se encontram grandes escritórios de advocacia cobrando incríveis R$ 15,00 por processo/mês ou até menos do que isso.
E o que os bacharéis têm a ver com isso?
Simples: os escritórios ainda são a maior fonte de contratação de estudantes de direito. O plano de carreira convencional de um estudante é começar a estagiar em um escritório, se formar, obter a carteira da OAB e ser efetivado como advogado associado.
Mas, sendo a relação de estágio regida por uma lei especial e a relação de associação regida por outra, como agir aos bacharéis, que estão no limbo, durante esse período de transição?
A resposta das autoridades é simples: demitam-os! Como é proibido que eles sigam trabalhando sem um vínculo formal e como não poderão virem a ser advogados empregados no futuro (por força dos problemas que antes apontei), a solução é mandar esses jovens para casa para se prepararem para a prova e só então voltarem a procurar emprego.
Só que a prova, cada vez mais, anda perversa. Conceitualmente, ela deveria servir para aferir a capacidade do candidato em oferecer soluções jurídicas a quem lhe procura. Em resumo, medir a habilidade de adequadamente representar em Juízo quem precisa de defesa. Mas nada disso está acontecendo.
O Exame da Ordem se tornou um concurso público como outro qualquer, inspirado por pegadinhas e ênfase em teoria jurídica. Algumas edições passadas vi uma prova cuja resposta considerada correta a um determinado caso exigia dos candidatos que fizessem uma petição processando um escritório de advocacia, que teria sido negligente em sua atuação. Vejam que absurdo!
A advocacia não é uma carreira de respostas certas. É uma carreira de melhores estratégias, elaboradas a partir de um sólido conhecimento do ordenamento jurídico. Essa singela diferença está sendo ignorada pela Ordem – e afastando gente talentosa.
Eu me comovo com o drama de gente que eu reputo como inteligente, preparada e dedicada, mas que vem fracassando nesse Exame. É preciso alterar essa dinâmica. Talvez, como já sugeriu a OAB/RJ, institucionalizando a figura do Paralegal, permitindo às sociedades de advogados que contratem bacharéis sob o regime de associação e retirando dos ombros deles o peso de uma aprovação que talvez tarde a chegar.

2 Replies to “Bissexta – "O drama dos bacharéis e o mercado da advocacia"”

  1. O tema é complexo e irei me abster de comentar o “drama social” porque, apesar de bacharel em direito (que já passou no exame mas impedido de me inscrever na OAB) não tenho conhecimento para escrever linhas competentes.

    Mas sobre a dificuldade da prova e suas questões absurdamente impossíveis, faltou mencionar a pior da história do exame: a peça trabalhista da prova 2010/3. Questão inacreditavelmente longa, em que se exigia nada menos do que 11 preliminares em uma peça de recurso ordinário.

    Nem o presidente da OAB conseguiria fazer a peça e responder as 5 perguntas nas 5h regulamentares de prova.

  2. Como sempre, ótima postagem.

    E a mazela atual do Exame da OAB é exatamente essa: ter o escopo camuflado de restringir o acesso à profissão, pura e simplesmente. Um tipo camuflado de “reserva de mercado”. Perde-se a oportunidade de utilizá-lo como um mecanismo efetivo de avaliação de bons bacharéis.

    Até entendo que, em geral, o bacharel que realmente se debruça a estudar (como deveriam todos), mais cedo ou mais tarde acaba obtendo a aprovação. Mas, inegavelmente, há aqueles que, por características pessoas peculiares ou em virtude da própria pressão gerada pelo contexto ou por reprovações anteriores, acaba não conseguindo a aprovação, mesmo tendo se dedicado aos estudos.

    Seria mais inteligente, por parte da Ordem, racionalizar o exame e usar do seu potencial manifesto de qualificar a profissão. Agregar, mais e mais, mentes realmente aptas ao exercício da advocacia. Ganharia a classe como um todo e seria um expediente relevante para combater o processo de aviltamento dos honorários no mercado.

    Quanto à ideia de extinção do exame, que infelizmente ecoa entre alguns parlamentares, trata-se de um absurdo. Não creio que há chance de ser aprovado. Um despautério como esse só beneficiaria alunos de direito irresponsáveis, indolentes ou simplesmente despreparados. Viria ainda em total detrimento da sociedade, que se veria às voltas com honorários mais baixos mas com serviços de qualidade serissimamente inferior. Sem falar no consequente aumento da litigiosidade em geral, mais morosidade no Poder Judiciário e o aumento de ações e medidas ineptas. Direitos materiais claros do cidadão estariam sob sério risco. Isso para resumir o óbvio e os mais evidentes desdobramentos. Que nunca aconteça.

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